Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Maria é tímida, silenciosa, gosta de pássaros, de poemas serenos e tem um vestido branco de algodão.
Maria é tímida, silenciosa, gosta de pássaros, de poemas serenos e tem um vestido branco de algodão.
Teresa é cruel,
insensível, corajosa, os animais deixam-na indiferente, desinquieta os homens e
não ama nenhum. Usa um vestido vermelho de seda pura.
Joana é alegre,
carinhosa, determinada, o seu vestido é de linho azul e canta ao amanhecer.
As três são
fisicamente tão parecidas que apenas se distinguem pela cor dos vestidos e pela
tonalidade da voz. Como o voo suave de um pássaro, como cristais de gelo, como
a água de um rio.
As pessoas dizem:
-Passou um pássaro.
É Maria.
-Que frio.
É Teresa.
-Bonito este canto.
É Joana.
Nenhuma delas se
pode ver ao espelho porque se assusta com o reflexo das outras. Nenhuma delas
caminha ao entardecer porque tem medo da própria sombra.
Moram numa casa
térrea virada para o mar, com sete portas, sete janelas e um pátio onde em noites
de muito calor se deitam no chão a conversar e a olhar as estrelas.
Nesses instantes as
suas vozes confundem-se e os cristais de gelo derretem-se, o pássaro voa mais
alto e a água do rio galga as margens ou desce suave pelas encostas. O riso
abandona o seu esconderijo e dobra-se e desdobra-se a desinquietar.
No roupeiro, os
vestidos brancos, os vermelhos e os de linho azul saltam dos cabides, ganham
vida, percorrem a casa, sentam-se nas cadeiras, abrem as janelas, fazem bater
as portas.
Pela madrugada adormecem
as três e de manhã desperta apenas uma.
E veste um vestido
preto.
O artista cria o seu narrador, que cria as suas personagens, e, máscara após máscara, todos os estilhaços de nós mesmos acordam deitados numa mesma cama que assenta numa coisa bem anterior ao artista: a forma do seu destino, mas até este comentário é ficção