domingo, 12 de maio de 2013

rodando

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas

Maria é tímida, silenciosa, gosta de pássaros, de poemas serenos e tem um vestido branco de algodão.
Teresa é cruel, insensível, corajosa, os animais deixam-na indiferente, desinquieta os homens e não ama nenhum. Usa um vestido vermelho de seda pura.
Joana é alegre, carinhosa, determinada, o seu vestido é de linho azul e canta ao amanhecer.
As três são fisicamente tão parecidas que apenas se distinguem pela cor dos vestidos e pela tonalidade da voz. Como o voo suave de um pássaro, como cristais de gelo, como a água de um rio.
As pessoas dizem:
-Passou um pássaro.
É Maria.
-Que frio.
É Teresa.
-Bonito este canto.
É Joana.
Nenhuma delas se pode ver ao espelho porque se assusta com o reflexo das outras. Nenhuma delas caminha ao entardecer porque tem medo da própria sombra.
Moram numa casa térrea virada para o mar, com sete portas, sete janelas e um pátio onde em noites de muito calor se deitam no chão a conversar e a olhar as estrelas.
Nesses instantes as suas vozes confundem-se e os cristais de gelo derretem-se, o pássaro voa mais alto e a água do rio galga as margens ou desce suave pelas encostas. O riso abandona o seu esconderijo e dobra-se e desdobra-se a desinquietar.
No roupeiro, os vestidos brancos, os vermelhos e os de linho azul saltam dos cabides, ganham vida, percorrem a casa, sentam-se nas cadeiras, abrem as janelas, fazem bater as portas.
Pela madrugada adormecem as três e de manhã desperta apenas uma.
E veste um vestido preto.

One Response so far.

  1. O artista cria o seu narrador, que cria as suas personagens, e, máscara após máscara, todos os estilhaços de nós mesmos acordam deitados numa mesma cama que assenta numa coisa bem anterior ao artista: a forma do seu destino, mas até este comentário é ficção

 
 

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