sábado, 14 de maio de 2016

Paquera na rua





            Sou incapaz de paquerar uma mulher na rua ou nos transportes coletivos.
            Isso já foi tema até de consulta psicológica. Minha psicóloga dizia que não havia problema nenhum em falar com uma mulher onde quer que eu estivesse, porque a mulher não iria bater em mim. Não adiantou nada, até hoje prefiro a morte do que abordar uma garota na rua ou no ônibus, mesmo que ela esteja me olhando.
            Vivemos numa sociedade em que o homem é quem tem que tomar a iniciativa de falar com uma garota. Mulher não paquera, não convida para sair, não paga o jantar. É o homem quem tem que fazer tudo isso. Não sendo eu lá um homem muito tradicional, tive minha afetividade e sexualidade prejudicadas pela timidez e pobreza.
            Não tenho coragem de falar com uma mulher nem que ela esteja olhando para mim. Não consigo utilizar o esquema tradicional de puxar assunto falando do tempo. Quando vou aprender algum idioma, sempre dizem que a melhor forma de puxar assunto com franceses ou britânicos é falar do tempo. Aqui no Brasil também. Mas eu não falo. Decidi, em algum momento de minha vida, que ao falar com uma garota, sempre tentaria falar o assunto mais inteligente do mundo. Mas nem sempre isso dá certo, pois a garota pode achar que você é metido.
            Até meus 19 anos, eu não tinha coragem de falar com moças nem em baladas. Na verdade, não tinha coragem de falar com mulheres em situação alguma.
            Aos 15 anos, sempre pegava o ônibus com uma garota morena com cabelos compridos e olhos profundamente negros. Ela era belíssima. Parecia vocalista de banda de heavy metal. Ficamos trocando profundos olhares por um ano seguido, até que comentei sobre ela com um amigo, que me disse que a conhecia e iria me apresentar a ela. Falei: “Pelo amor de Deus, não faça isso!” O que eu iria falar a ela? Felizmente, nunca fomos apresentados.
            Aos poucos, fui ficando mais sem-vergonha.
            A ponto de um dia conversar com uma garota que estava me olhando num ponto de ônibus. Decidi conversar com ela e quando meu ônibus chegou, lhe dei um selinho. Eu tinha uns 31 anos, acho. Foi uma das raras vezes em que falei com alguém na rua.
            Outro papo notório que tive foi no metrô. Uma garota entrou lendo o livro “50 tons de cinza” e eu disse: “Não acredito que você está lendo esse livro”. Ela foi simpática comigo e conversamos até chegar minha estação.
            Nas outras vezes em que pude falar com alguém, não falei nada.
            Havia uma garota que morava perto da minha casa e eu tinha 32 anos quando pegamos o mesmo ônibus pela primeira vez. Durante muitos meses e anos, ela não apenas me olhava como também sorria. E eu nunca tive coragem de falar com ela. Ela chegou a se sentar a meu lado. Não sou capaz de entender por qual motivo tive um bloqueio tão grande em falar com essa garota, ao longo de anos. A única explicação que eu encontro é que tinha medo de que, ao falar comigo, ela se desinteressasse pela minha pessoa. Eu queria continuar vivendo aquele romance de olhares pelo resto da vida e não queria me decepcionar ao perdê-la, após me apresentar e fazê-la conhecer a verdade sobre a minha pessoa. Uma dia, não nos vimos mais no ônibus. Ela sumiu.
            Houve, ao longo de minha vida, milhares de garotas com quem eu troquei olhares em ônibus, metrô e trem. Outras tantas com quem cruzei na rua ou até mesmo em supermercados. Fiquei sempre em silêncio.
            A última notória foi no ano passado.
            Fui procurar emprego na Avenida Paulista e, na volta, pego o metrô. Entra uma menina muito nova, com uns 16 anos, lindíssima, e não tira os olhos de mim. Até me senti bem. Velho (tenho agora 45 anos), barrigudo, pobre, desempregado. Mesmo assim um adolescente se interessou pela minha pessoa. Mesmo com medo de que ela perguntasse o que eu tinha ido fazer na Avenida Paulista, ao que eu não conseguiria mentir e teria que dizer que fui procurar emprego, aproximei-me para me sentar ao lado dela e tentaria puxar assunto. Que calor, não? Algo assim. Mas um mané se sentou ao lado dela na minha frente. Ela desceu na Estação Santana me olhando.
            Não penso que um dia vou mudar o meu jeito de ser. Eu continuo só sendo capaz de falar com mulheres em baladas, desde que elas estejam me olhando, ou na praia. Também tenho muita vergonha da minha aparência e da minha condição social. Essa minha barriga monstruosa reduziu drasticamente minha pouca auto-estima.
 
 

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