domingo, 29 de janeiro de 2012

O aniversário da Infanta Dona Adelaide, vos garanto, não será celebrado em Boliqueime






Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas

Há um nó górdio na sociedade portuguesa que se resume na seguinte interrogação: como insuflar e voltar a reintroduzir, agora, no palco quotidiano, um cadáver político, que se chama Aníbal Cavaco Silva?
Eu sei que não têm resposta, mas a resposta é um ovo de colombo: dia 31 de janeiro, por acaso, aniversário de uma frustrada implantação da República, e véspera de outro aniversário, esse mais lúgubre, o do Regicídio, que, neste instante, deve ter o Aleijão de Boliqueime completamente borrado, dia 31 de janeiro, dizia eu, é o aniversário, o centésimo, por acaso, da Infanta Adelaide, membro da Casa Real Portuguesa, e uma das mais ilustres portuguesas, ainda vivas.

Neta de Miguel de Portugal, de má memória, a Senhora Dona Adelaide van Uden, nascida Bragança, foi daquelas figuras do infortúnio e da noite, que, quando as cidades da Europa ardiam, debaixo dos terríveis bombardeamentos dos exércitos das Ideologias, nascidos dos cancros do Marxismo e do Nazismo, procurava, entre os escombros, feridos, vozes implorando piedade e salvação, num voluntariado de noites e dores partilhadas. Para mim, que nunca estive numa guerra, a não ser, como muitos, na comodidades dos sofás, que nos fazem sempre parecer demasiado longínquos os horrores, vou hoje fazer o esforço de me colocar ao lado da sombra de uma princesa portuguesa, deslizante e infatigável, em busca de salvar vidas, naquela pavorosa fronteira extrema, do infortúnio e da morte, que dissolve as diferenças e faz emergir as solidariedades, nos limites sem descrição da selvajaria humana. "Era uma jovem destemida e tinha um hábito perigoso: assim que ouvia as sirenes de aviso de novo bombardeamento aliado, subia ao sótão de casa para ver onde estavam a cair as bombas. Depois, esperava que os aviões dispersassem, pegava num candeeiro a petróleo e corria em auxílio dos feridos que se amontoavam nos escombros"

Adelaide não agia apenas pela noite: durante o dia, dialogava com os movimentos de oposição ao Nazismo, e acolhia, por detrás das suas cortinas, os perseguidos pela Gestapo, uma coisa sinistra, que faria a PIDE parecer uma brincadeira de crianças, protegendo-os e escondendo-os, numa Áustria inebriada pela Anschluß, um asco, que nos lançou sempre no equívoco de pensar que o pior austríaco de sempre, Hitler, não teria lá nascido, por mais que o branqueamento, e o empurra, empurra, o tivessem querido fazer alemão.

Hitler não era alemão, mas austríaco, e Adelaide não era nazi, mas uma Portuguesa exilada, que a Áustria dos Habsburgos acolhera, como prima distante, e que se regia pela carta estrita da aristocracia, que impede o convívio com os regimes e as gentes que desprezam os seus próprios povos.

Hitler não gostou de que brincassem com ele, e condenou a cidadã Adelaide à morte, por obstrução à imparável voragem nazi.

Quero supor que Adelaide terá respondido com um olhar fulminante à condenação desse demente da pré Aldeia Global, mas os gestos heróicos pouco contam, quando a Civilização inteira está a caminho do precipício, e lá teremos de conceder aos que veneram Salazar -- nos quais nunca me incluirei -- o mérito de, num gesto de diplomacia extrema, ter conseguido que o Carniceiro de Berlim transformasse a pena capital numa imediata deportação para as terras mornas, e saloias, de Portugal.

A história poderia acabar aqui, mas não acaba, porque as pessoas com infinita dignidade prosseguem sendo infinitamente dignas. A portuguesa Adelaide, nascida Infanta, continuou a sua obra de solidariedade, explorando, como assistente social, as piores misérias que a Trafaria e a Costa de Caparica, desse mesmo Salazar, tinham criado. Van Uden, que ela salvara dos escombros, e por quem se apaixonara, numa tenda da Cruz Vermelha, já acabara os seus estudos, que Portugal não reconheceu, porque ainda não chegara a fase dos "masters" americanos, que davam, e dão, direito a enganar-se, a contar pelos dedos, e a vice reitorias na Lusófona.

Valeu-lhe outro notável exilado, Gulbenkian, que lhe deu oportunidade para criar um daqueles raros nichos de pensamento e investigação, deste enorme deserto da Margem Sul, Norte, Este e Oeste, o Instituto Gulbenkian de Ciência, num tempo em que as instituições para o aprofundamento do Conhecimento ainda não tinham à testa cabecilhas com as mãos manchadas de crimes de sangue, como Leonor Beleza.

Dona Adelaide dissolve-se, a partir de aqui, no Tempo, tão só porque nós preferimos o escândalo às vidas exemplares: fará, como disse, dia 31 de janeiro, 100 anos, data que todos os lusitanos deverão comemorar, como o aniversário de uma das maiores portuguesas de sempre.

Como em tudo, há nisto um senão: alguém se lembrou de "assoprar", à degenerescência que ocupa o Palácio de Belém, que vinha aí um centenário notável. Nada de melhor, pois, do que assinar um despacho, a conceder a Ordem de Mérito a Adelaide de Bragança, ou mais justamente, a Adelaide de Portugal.

É uma boleia como qualquer outra. Para um cadáver político, que, enquanto Adelaide lutava contra o Nazismo, assinava o célebre papel da PIDE, a dizer que se encontrava "integrado no regime político da ditadura", qualquer coisa serve hoje de tábua de salvação. Se ele estava a contar com essa surpresa, para reaparecer como rejuvenescido, recauchutado, e reintegrado, no dia de aniversário de 31 de janeiro, com uma medalhinha de ordens de mérito nas mãos, eu concedo-me o direito de lhe puxar violentamente, já hoje, 29, o tapete de mais uma chico espertice do Carrasco de Boliqueime: há vidas demasiado altas para medalhinhas, e medalhinhas demasiado vis, para certas mãos.
Que se foda Cavaco Silva, cancro mor  da democracia portuguesa, e incontornável vergonha da Nação!...

(Trio de reverência e saudação de Adelaide de Portugal, no "Arrebenta-Sol", no "Democracia em Portugal" e em "The Braganza Mothers")
 
 

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