Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Entre os dois existia um poço, fundo, escuro, onde o eco brincava e brincando assustava. Ela dizia, bom dia e ele saltava, ágil, feliz, os olhos brilhantes antecipando guloseimas e atenção. Uma pausa, em que se olhavam reconhecendo o cheiro um do outro, as nuvens que pairavam na voz, o calor sufocante da manhã de setembro, o trotar de uma velha carroça, desarticulada, barulhenta, arrastando o odor forte de estrume e mosto.
Entre os dois existia um poço, fundo, escuro, onde o eco brincava e brincando assustava. Ela dizia, bom dia e ele saltava, ágil, feliz, os olhos brilhantes antecipando guloseimas e atenção. Uma pausa, em que se olhavam reconhecendo o cheiro um do outro, as nuvens que pairavam na voz, o calor sufocante da manhã de setembro, o trotar de uma velha carroça, desarticulada, barulhenta, arrastando o odor forte de estrume e mosto.
Depois
sentavam-se, um de cada lado do poço. Ela metia a mão no bolso, devagarinho,
para que o instante não fosse apenas um segundo mas tivesse a consistência de
uma casca, de uma semente, de uma pele castanha avermelhada, de uma eternidade reencontrada.
Ele
entrava no jogo, porque era de um jogo que se tratava, de sedução, de
encantamento. Ambos sabiam como terminava, mas que importância tem o fim se
existe tanto pelo meio. Ela chamava-o, Chiquinho e num golpe certeiro
atirava-lhe um amendoim e ele apanhava-o sem mudar de posição, a mão aberta, a
linha invisível que une o objeto ao seu apanhador, caçador de frutos quentes,
trepador de ramos e de muros.
Chiquinho
tinha um dono viajante, ladrão de animais raros, exibia-os como um troféu mas
abandonava-os por aí ao sabor de casas de férias e outras, enjoado da vida,
ansiando a próxima partida, desligado de quem capturava sem piedade. O macaquinho
era pequenino como a rapariga dos bolsos e tinha saudades de ser pequenino e
gritar livre atrás da mãe, morder os irmãos numa algazarra doida, ser aquilo
que nunca mais lhe permitiram que fosse. Tinha frio no inverno naquela terra
rural longe do mar e a rapariga sentia saudades da praia e não queria saber de
uvas e de vindimas, nem de carroças chiadeiras, nem do sufoco de um dia de verão.
Por isso eram tão amigos e os olhos tristes de Chiquinho apenas se incendiavam
com a sua presença e a sua voz fininha de criança com tantos bolsos e em cada
um qualquer coisa de espantar. E ela inventava-lhe uma história de fugas, em
que sonhava enviá-lo de volta aos lugares onde ele retomaria a sua vida
interrompida de trepador de ramos, de chuvas intensas e de eterno e húmido
calor. Nunca se tocaram. Entre os dois existia um poço e aquela amendoeira que
brilhava ao luar.
Teus textos são admiráveis
incomentáveis
Também não vou comentar. A imagem é extraordinária