domingo, 26 de novembro de 2017

para entardecer gosto do mar mesmo que chova

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas

Terá sido um acaso, uma mudança brusca na direção do vento, um batimento diferente do coração da mãe, mas o facto é que nascera diferente. À medida que foi ganhando pelo e peso, tornou-se notório que os pelos da cauda não formavam riscas horizontais, mas sim, verticais. Cresceu ágil e trepador, alheio ao sentido dos desenhos do seu corpo e aos comentários hostis dos que possuíam a espécie que afinal não era a sua. A mãe defendia-o com as unhas que tinha e um dia foi ele que se cansou de estar à defesa e foi-se ao mundo. Encontrei-o ontem na praia, ao entardecer.
Para escrever, eu gosto do entardecer. Para chegar a casa e atirar os sapatos para o lado, também. Para beber chá quente, para ouvir a gritaria das aves, ainda mais. Para soltar o gato, abrir a janela, cheirar a folhagem seca dos pessegueiros, o vazio dos ramos.
Para entardecer, gosto do mar mesmo que chova. Às vezes um pargo, um caranguejo, baleias nem tanto, por isso não me surpreendi de o ver ali, embora peludo. Andava pela beira da água, as patas dianteiras esfregavam as pedras à procura de qualquer coisa. Talvez seja um rato-lavadeiro a quem pintaram a cauda de branco.
Vê lá, não te cortes nos ouriços, disse-lhe eu, assim como quem verdadeiramente diz, vê lá, pareces-me longe de casa.
E olhei em volta, não fossem os cães tardios como nós ladrar-lhe às canelas. Ele saiu da água, sacudiu o pelo e sentou-se ao meu lado. Eu tirei do bolso um punhado de amêndoas que ele comeu levando-as à boca com os dedos. Depois contou-me o que já vos contei e seguiu-me até casa.


 
 

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