domingo, 24 de junho de 2018

marinhos

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas

Um dia, crescem-vos algas nos pés.
Chegavam cedo, ainda a areia não tinha secado da praia mar e os toldos quietos à espera da sombra. Os calções, às riscas amarelas e brancas num, brancas e amarelas no outro. Os olhos vivos de descobrir mundos, as pernas inquietas de correr riscos.
Não se afastem.
Passava um barco e sentavam-se na rocha grande e eles pequenos no fresco da água. O reflexo restituía-lhes as duas faces quase iguais e as caretas e os trejeitos e eles riam-se.
Afastavam-se. Descobriam ouriços, anémonas, caranguejos, lapas e burriés. Guardavam as conchas nos panamás brancos a pingar sal. Os dedos das mãos ficavam engelhados e o queixo tremia de frio. O homem dos gelados perguntava: e hoje, quem é o menino? é ele, respondiam, apontando um para o outro.
Ao décimo dia já sabiam mergulhar e nadar. Ao décimo primeiro abriram os olhos debaixo de água, exímios a expulsar o anidrido carbónico, a serenar a necessidade absoluta de oxigénio, a pairar sem oferecer luta à impulsão. Foi então que os viram. Pequeninos, lentos, as caudas enroladas num farrapo de alga, as barbatanas dorsais numa aceleração louca, o focinho tubular. Os rapazes suspensos e trémulos de espanto permaneceram submersos, os olhos bem abertos, os braços e as pernas como barbatanas contidas e os cavalos-marinhos soltaram-se e enrolaram-se-lhes nos cabelos e dir-se-iam filamentos de luz encaracolada a dançar.
Guardaram segredo, miméticos, cúmplices. Depois do equinócio cresceram-lhes algas nos pés.
Há noites na cidade à espera do outono em que eles amarinham, pequeninos, lentos, o focinho tubular, as caudas aneladas a um fio de cabelo e matam saudades dos rapazes aquáticos que guardavam conchas com água do mar. 
Não se afastem, o ruído noturno assemelha-se a um marulhar.


uma revisitação .intemporal.

 
 

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