quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Tancos, enquanto novela camiliana do enorme romance do tráfico de armas português

A história, hoje, tem duas partes, sendo que uma é a primeira, e a segunda, na verdade, não passa de uma sequência da anterior. Sabe-se que a (falta) de qualidade dos governos se mede pelo maior ou menor tempo que medeia entre a opinião pública ter percebido que um ministro morreu, e a teimosia que o títere, que cabeceia o bando, demora a pô-lo na rua. Até agora, o pior exemplo dessa estupidez institucional era o subproduto de Boliqueime, Aníbal, cujos ministros eram todos demitidos nas capas de jornais do Portas, mas ele insistia em sustentar, até acabaram (quase) todos, em casos de polícia e de prisão.

O António Costa insiste em seguir-lhe o exemplo, e brevemente até quererá ultrapassá-lo, sem perceber que os tempos mudaram e a sensação do penoso, para o cidadão comum, se agravou substancialmente. Durante seis meses, tivemos uma tipa, vestida de tricots, a não se demitir, com mortos de fogo e cinza a caírem-lhe, às dezenas, aos pés. Seguiu-se um traste maçónico, de óculos de fundo de copo de três, que quis ignorar que a sodomia, pelo menos desde as Termópilas e Alexandre, era um assunto das fardas, e também não percebeu que não se podem matar rapazes em treinos de uns psicopatas de pendor sádico, que insistem em envolver a palavra “pátria” nas suas surdas perversões sexuais: sustentada pela sua “Loja”, a criatura durou um penoso ano, quando toda a gente já tinha percebido que o problema de Tancos não tinha saída política, mas mais ninguém no Poder percebeu.

A pérola mais recente neste rol é o sinistro Galamba, que os bate a todos, já que é um protagonista que incarna uma coisa surpreendente, a figura de um governante que devia ter sido demitido muito antes de ter sido nomeado... Com esta espécie de “jat-lag” que existe entre o situacionismo e a brigada do reumático do Gajo de Goa, tenho agora, em cima da minha mesa privada, uma aposta sobre o tempo que ele, Galamba, vai levar a vir para a rua, mas depois vos direi, quando “la chose” acontecer. Informo que fiz o mesmo exercício mental com o Carrilho, e acertei sempre. E esta foi a primeira parte da história.

A segunda também gira em redor de Tancos, e centra-se num episódio que foi apresentado como “roubo”, mas que, com a minha costela teorética da conspiração, não passou de mais um penoso episódio de uma máquina muito poderosa do tráfico de armas, na qual Portugal é um nó fulcral, diz-se, pelo menos, desde o fim da Guerra Colonial. A par com o tráfico de droga e dos corpos, dos quais o “Casa Pia” foi só um suspiro, constituem o tripé nos quais assentam os “Sucessos” dos centenos e afins deste mundo. Dizem que, nos idos de oitenta, o assunto desse tráfico custou a vida ao Adelino Amaro da Costa, e é possível que sim, embora o assunto enforme agora a arqueologia das conspirações mal resolvidas.

A ser verdade o episódio de Tancos ser mais uma página sórdida do tráfico de armas em Portugal, a história constrói-se assim: nada foi roubado, por que há muito que não estava lá, por apenas ter lá feito breve escala, antes de ter integrado o circuito habitual de distribuição das “armas sujas”. Num dado momento, ou houve um incauto que descobriu que os paióis estavam vazios, e ninguém o informou que há muito que não estavam, ou nunca tinham estado, cheios, ou alguém ficcionou o espanto, para que a opinião pública fosse alertada para qualquer coisa de monstruoso que se desenrola, há décadas, sob os nossos pés, e fora do alcance dos nossos olhos.

O resto é pior, por que, uma vez alertadas as máquinas de investigação para o “furto”, arriscava-se a ser descoberta toda a rede e os seus elos. Gente poderosa, entre o discreto e o muito conhecido, que não suportaria quaisquer holofotes. Parece agora que houve uns operacionais que se mexeram, uns badochas lá para o Algarve que se chegaram à frente, e aquilo apareceu, à maneira do Solnado, que é o mesmo que dizer à maneira idiossincrática do português, num quintal de uma avó. Só faltava ter sido o Ronaldinho ou a Maria Leal a descobrirem a coisa. E, ainda à portuguesa, até apareceram mais umas coisinhas do que as que tinham desaparecido, e até largaram os nomes de uns bodes expiatórios, uns peões mal tatuados, ligados à noite e aos tráficos.

Penso que para a maioria dos fãs do Galamba e do festival da bifana, tudo teria assim acabado em bem. Para mim, desta vez, tudo aponta para que se tenham acendido subitamente as luzes, na fase em que o pessoal ainda estava todo com as calcinhas na mão. Não é por acaso que se sacrificam uns peões, ex fuzileiros, e as coisinhas, ou outras coisas, a fazerem a vez delas, são todas repostas no lugar da avó, não vão as investigações chegar ao fundo da coisa, e os portugueses serem alertados para o mundo em que vivem e descobrirem o "who is who" desta pocilga. Na verdade, a coisa está em riscos de acontecer, e nós vamos ficar muito chocados. E, como já me estendi muito, prefiro ficar por aqui, mas acreditem que o que eu não estou a verbalizar é infinitamente pior...
 
 

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