Maggie Taylor - High Tide
Gostava de se sentar ali. Entre a janela aberta e a
torradeira, os pés em cima de um banco alto, o computador portátil sobre os
joelhos. Do lado esquerdo, um copo gigante de chá gelado, na cabeça, as
palavras que marcavam encontro consigo àquela hora da tarde. Indefinida a hora,
antes do pôr-do-sol, à tardinha, ao fim do dia, tanto faz. Reconhecia-a pela
inclinação dos raios solares e pela temperatura morna da pedra da cozinha.
Quanto mais morna a pedra, mais gelo colocava no copo.
O segredo do chá está na qualidade das folhas e no tempo
de infusão. As primeiras devem estar livres de saquetas, bolinhas de metal
cinzento com ou sem a palavra tea gravada, o bule escaldado e a água fervente.
O tempo ideal de infusão é alheio aos ponteiros do relógio, aprende-se
sentindo, intui-se. Tempo a menos, o chá não abre, não liberta o sabor e o
perfume, um segundo a mais e o chá amarga, ultrapassada irremediavelmente a
barreira da perfeição. O chá gelado é uma efabulação do círculo polar antártico
de Agosto, macera em pedaços de limão acabados de colher, numa estadia alargada
no frigorífico, cristalizado em gelo e açúcar mascavado.
Se esticasse as pernas até ao seu limite, tocava com as
pontas dos pés na bancada em frente, a do lava-louças, uma concha gigante, uma
torneira de concha, inteligente, a água corria se falassem com ela, qualquer
coisa assim, quero lavar o copo, por favor, e a torneira abria. Se por um acaso
estivesse apressada ou sem paciência e dissesse, despacha-te, preciso de água
quente para lavar a porcaria da frigideira das batatas que pegou! a torneira
não se mexia, recusava-se a colaborar, numa teimosia estática e obstinada, até
as vozes se adoçarem e lhe dirigirem palavras suaves.
Não se podia queixar, tinha sido uma sua criação, um
desenho elaborado por si e o canalizador bem a tentara dissuadir dizendo que
aquilo era uma coisa estranha, imprópria, não lembrava a ninguém e que ela
apenas poderia esperar o pior daquela singularidade. Numa casa antiga em que as
canalizações estão repletas de ursos e as telhas não precisam de ser de vidro
porque têm imensos buracos que lhe permitiam ver o céu, ela esperou sempre o
melhor. E o mar do norte chegava até si nos dias de tempestade, os cacos de
conchas partidas entupiam os canos e muitas vezes a água era salgada e salgada
era a sopa ao jantar.
Às vezes, ele chegava àquela hora do entardecer quando
ela pousava os pés na beirinha da bancada, o copo do chá gelado à sua esquerda,
o portátil sobre os joelhos. Mordiscava-lhe a ponta dos dedos e ela sabia que
ele estava ali no lava-louças pejado de conchas e água do mar. Alisava-lhe as
barbatanas dorsais, dava-lhe bocadinhos de camarão e ele saltava para o copo do
chá e soprava-lhe folhas de risos e de palavras insensatas com as quais ela
construía histórias como se de facto soubesse escrever.
Quando te leio, me elevo
para esse universo
e me sinto
a reagir
a uma folha de riso
escrevendo palavras insensatas
como se soubesse escrever
e ler