Ninguém entendeu
por que, no início do século 20, as autoridades mundiais decidiram proibir a
maconha. Não causava dependência, não trazia danos à saúde, não induzia ao
crime. Se estes eram os argumentos, por que não proibir o álcool? Mas o álcool
continuou liberado, porque sua proibição trouxe enormes problemas, como o
surgimento de gangsters do porte de Al Capone. Situação parecida com a
proibição do tráfico de drogas, por isso hoje há um caminho inverso, em que a
maconha e outras drogas começam a ser liberadas no mundo todo.
Logo cedo,
quando eu tinha uns 13 anos, tinha vontade de usar alguma droga, especialmente
para espantar a timidez, mas morria de medo de ser preso.
Entre meus
amigos, ninguém usava nenhuma droga. O negócio mesmo era álcool. Comecei a ver
mais maconha a partir dos anos 90. Nos anos 80, a regra era beber até cair.
O primeiro
maconheiro contumaz que conheci foi aos 15 anos, um punk que só falava em
brigas e maconha.
Só fui mesmo me
deparar com maconha diante do meu nariz aos 21, 22 anos, quando entrei no
teatro do Macunaíma, onde eu havia estudado teatro, e o pessoal estava fumando
maconha, inclusive um professor. Odiei aquele cheiro de bosta de cavalo e saí
de perto, também com medo de que a polícia aparecesse a qualquer momento e
prendesse todo mundo.
Mas chegaria o
dia em que eu experimentaria maconha pela primeira vez.
Eu tinha 26 ou
27 anos e estava saindo do trabalho, de madrugada, quando uma colega me
ofereceu carona. No ramo de bares, restaurantes e casas noturnas, o pessoal usa
muita droga, quase tanto quanto no meio artístico e na universidade. Dentro do
carro, havia mais um amigo. Assim que eu entrei, ela disse que iria preparar um
baseado. Fiquei apavorado e disse que iria ao banheiro de uma lanchonete, enquanto
ela preparasse. Na minha cabeça, iria enrolar o tempo suficiente para que eles
fumassem. Fiquei parado na frente da lanchonete, quando ela apareceu no Fusca e
buzinou para mim, perguntando se eu não iria entrar no carro. Falei que achei
que eles iriam fumar antes, mas ela me disse que iriam fumar no caminho. Entrei
assim mesmo.
Não estava com
fedor de bosta de cavalo. Ela disse que havia preparado com uma seda mergulhada
em conhaque. Resolvi
experimentar, mas como sempre acontece na primeira vez, não senti nada.
Só fui fumar de
novo no ano seguinte. Flagrei um pizzaiolo que trabalhava comigo sentado na
calçada fumando. Já naquela época, eu achava que fumar maconha na rua tinha
pouco glamour. O pessoal não se preocupa sempre em cultivar sedas, mas gosta de
improvisar até com papel achado na rua. Depois, acham um palito de fósforo
usado para usar como pilão, ao invés de andar no bolso com um pilão de prata ou
algo assim. Fiquei até com nojo de alguns maconheiros podrões como estes.
Pedi o baseado
emprestado a meu amigo e dei umas belas tragadas.
Resolvi andar
pela Avenida Faria Lima e senti que umas gigantescas bolas de energia
atravessavam meu corpo. As bolas vinham rolando pela Faria Lima e me atingiam.
Eu achava a sensação curiosa.
Voltei ao mesmo
lugar e entrei numa lanchonete, onde havia outros amigos. Eles estavam
paquerando umas meninas e eu sentei perto delas, com olhos vermelhos, chapadaço
de maconha e tentei conversar, mas elas não me deram a menor bola, porque eram
muito caretas.
Algumas semanas
depois, tive uma overdose de maconha.
Peguei uma
carona com amigos. Um barman, uma garçonete, um garçom e dois gerentes de
restaurante.
Começaram a
passar o baseado e eu fumei demais. Fumei até o cu fazer bico e de repente, meu
corpo congelou. Virei para minha amiga e disse: “Vou morrer”. Ela respondeu:
“Não vai, ninguém morre de maconha”. Insisti: “Eu vou ser o primeiro a morrer
de tanto fumar maconha”.
Já não fazia a
menor ideia de onde estávamos indo e penso que o motorista também não sabia onde
estava indo.
Meu corpo
alternava frio e calor. Uma hora eu me sentia no deserto do Saara, em seguida
me sentia no Pólo Norte. Surgiu a pior sensação: a de ficar em miniatura. Achei
que meu corpo tinha diminuído de tamanho e agora eu estava do tamanho de um
bebê. Quando eu tentava falar, achava que minha voz estava saindo fina e
engraçada e fiquei com vergonha.
Paramos num
posto de gasolina. Pedi para alguém comprar água para mim e não cerveja. Eu
achava que iriam me comprar cerveja e insisti para que trouxessem água.
O motorista
olhou para mim e disse: “Atrapalhou aí, é?”
Consegui me
arrastar para fora do carro e achei força para despaquerar a menina que estava
com a gente, porque dias antes eu havia lhe dado um beijo à força e agora
queria discutir a relação.
Voltamos para o
carro e o motorista continuou andando a esmo por São Paulo, sem saber aonde ir.
De repente,
chegamos a Avenida Paulista.
Descemos do
carro. A menina já tinha sido deixada na casa dela.
Um dos
chapadões, um rapaz carioca, resolveu sentar na Avenida Paulista, porque não
agüentava ficar de pé. Eu peguei ele pelo braço e começamos a andar abraçados
em direção a sei lá o que.
Entramos num
café. Achei que se eu tomasse um café expresso, iria me sentir melhor, mas
continuei igual.
Perguntei aos
dois amigos se eu poderia dormir na casa de algum deles, mas disseram que não
seria possível. Como é que eu iria para minha casa num estado lastimável
daqueles?
Despedi-me
deles e resolvi pedir ajuda no Hospital das Clínicas. Vai vendo a loucura.
Quando eu
passava ao lado dos policiais, tentava disfarçar, como se fosse possível
disfarçar.
No pronto
socorro do HC, havia uma fila descomunal de idosas e alguns idosos. Achei que
era dia municipal de pronto atendimento a idosos, porque não vi ninguém que não
era idoso.
Sem o menor
pudor, passei na frente de todo mundo e disse que precisava de atendimento
urgente porque estava passando muito mal. Acho que o pessoal só fingiu que me
atendeu, porque me mandaram para uma sala de espera gigantesca, com mais mil
idosos deitados em macas.
Eu até então
não havia me desvencilhado de minha garrafa d’água e não parava de beber a
eterna água, porque minha sede não diminuiu nem por um segundo.
Eu ensaiava o
que iria dizer ao jovem médico que atendia os idosos. “Oi, fumei muita maconha
e acho que vou morrer”. Pensava que em vez de dizer “fumei maconha”, iria
simplesmente fazer o gesto de fumar, levando os dedos à boca.
Sentei-me num
banco e dormi.
Não sei quanto
tempo dormi, mas percebi que não morri e estava me sentindo bem. Considerei que
conseguiria chegar em casa.
Foda foi pegar
o metrô lotado na Estação Paraíso. Eu não estava em condições de ficar de pé,
mas teria que ficar. Tive a impressão que levava uma hora de uma estação à
outra.
Quando enfim cheguei
ao Tucuruvi, ao entrar na lotação, o cobrador olhou bem nos meus olhos, que
deveriam estar vermelhíssimos.
Naquela época,
minha mãe morava num casebre de dois cômodos e durante o dia era um barulho
extremo. Mas deitei na cama e dormi como um bebê.
Acordei
pensando: é assim que se torna usuário de maconha. Porque fiquei com vontade de
fumar maconha todo dia, para poder dormir em paz. Aquele meu amigo
pizzaiolo me disse que iria me vender maconha fiado e tudo o que eu não queria
na vida era ficar devendo dinheiro para traficante. Recusei.
Fui morar com
meu amigo carioca numa pensão da Rua Augusta e aí eu fumava maconha por tabela
ou dava umas tragadas quase todo dia. Ou todo dia. Limitava-me a ficar zonzo,
mas houve um dia em que estávamos bem chapados e eu convidei o carioca a comer
pizza.
Começamos a
descer a Rua Augusta e eu falei: “Cara, já passamos a padaria a miliano”.
“Podecrer”. Quando caminhamos de volta, percebemos que não havíamos ainda nem
saído do quarteirão.
Por culpa da
maconha e dos atrasos no pagamento do aluguel, fomos expulsos da pensão.
Só fui fumar de
novo três anos depois.
Eu tinha tomado
um fora terrível de uma namorada e achei que se falasse com uma amiga minha,
ela poderia me fornecer maconha, porque eu estava precisando muito. Eu já havia
saído com ela e amigos dela antes e eles fumaram maconha, mas eu não quis sei
lá por que. Coincidentemente, no mesmo dia em que liguei, ela me disse que
estava tendo uma festa na casa de uma amiga dela e eu deveria ir.
Cheguei lá e
havia uma sala só de maconheiros. Achei engraçado que minha amiga mesmo não
sabendo que eu estava sofrendo e achando que eu não era usuário, me colocou na
sala da maconha do mesmo jeito, intuindo que eu deveria usar.
Fumei, mas não
muito. Mas meu sofrimento passou. “Então é por isso que as pessoas fumam
maconha”, pensei.
Na manhã
seguinte, resolvi acompanhar minha amiga até a estação Tietê, onde ela pegaria um
ônibus para sua cidade, e ela me contou uma história que não entendi uma
palavra sequer. Esqueci de dizer que durante a madrugada, por culpa da maconha,
resolvi ler tarô para ela e numa das leituras, eu perguntei quando é que a
gente ia namorar. “Isso depende de você”, ela respondeu. Não entendi a resposta
dela, nem quis perguntar mais, tamanha a vergonha que fiquei de ter falado
aquilo. Maldita maconha. No metrô, quando ela terminou sua história muito
louca, eu respondi: “Esta é a história mais louca que eu ouvi na vida”. Eu me
senti dentro da música “Qualquer coisa”, do Caetano Veloso.
Nenhum destes
motivos me tornaram usuário de maconha. Nunca comprei maconha na vida. Eu
achava que maconha era uma coisa tão boa que eu não deveria usar, do contrário,
iria mascarar todos os meus problemas e apagar meu cérebro. Eu queria continuar
sofrendo. Pensando e sofrendo.
Não fumei
maconha nunca mais. Pode ser que eu volte a fumar um dia, para matar a saudade
e viver mais alguma história louca.