Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
- Se eu voar.
- Tu voas.
- Não. Quero dizer, se abrir as asas mesmo parado, a
quilha a cortar os mosquitos sobre a água, colocar a cabeça um pouco para trás,
esvaziá-la. Apagar a memória de algas e crustáceos e este rio.
- Este rio. Trocarias este rio por outro qualquer.
- Qualquer, não. Um escolhido por mim, mais salgado.
- Não tens escolha.
O flamingo hesitou. Não sabendo o que responder
limitou-se a erguer e a baixar o bico duas vezes. O flamingo cor de salmão
encolheu a perna esquerda e lançou-lhe um olhar penetrante.
- Todos os dias duvido de deus.
Um pequeno barco a motor cortou o silêncio e fez ondular
ligeiramente a água. Uma tainha encontrou o caminho para o mar.
É uma dúvida sistemática, cansativa. Depois abranda,
desaparece, deus queira. A fragilidade do branco manifestava-se em pinceladas
de rosa pálido e a temperatura do ar caiu de repente. Nos terrenos alagadiços,
nos sapais, o entardecer anuncia-se desta forma.
As outras aves, curiosas, foram-se aproximando, as
narinas dilatadas pelo prazer, pata aqui, pata ali, os ossos das pernas eram
talos flexíveis, altos, pernaltos na profundidade das águas. Levantaram voo mal
o rio foi estuário e foz. A largura das asas era tal, que planava sombra entre
as margens.
Belas aves das belas cores de um verão esperado :-)