Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Nasceu em junho no tempo das folhas tenras, das bolotas doces, do aconchego do grupo. Quando o calor do verão se tornou insuportável procuraram as encostas viradas a norte, as mais sombrias. Aos doze meses de idade, separou-se da mãe.
Nasceu em junho no tempo das folhas tenras, das bolotas doces, do aconchego do grupo. Quando o calor do verão se tornou insuportável procuraram as encostas viradas a norte, as mais sombrias. Aos doze meses de idade, separou-se da mãe.
Era um veado pequeno. Assustava-se com o ruído das folhas
secas, das gotas de chuva, dos ouriços a soltarem-se dos castanheiros. Enquanto
os jovens veados seguiam as fêmeas e concentravam a sua atividade na busca de
alimento, ele distraía-se, ficava para trás preso às asas das borboletas, ao
reflexo dos seus olhos na água dos ribeiros. O seu pelo castanho avermelhado
mantinha ainda as manchas brancas da infância e as suas hastes continuavam
aveludadas e macias. Indiferente à luta pela posse do território e das fêmeas,
Brama virava o dorso e afastava-se, sempre, cada vez um pouco mais.
Um dia foi incapaz de regressar para junto dos outros
veados. Levantou o focinho, inspirou, a cabeça estonteada e caminhou na direção
oposta. Atravessou os bosques de carvalhos, os matagais, os pântanos de águas
paradas, reconheceu os sobros e as azinheiras e teve o cuidado de se afastar
das aldeias.
Vagueou assim seis dias e ao anoitecer do sétimo dia, descansou. A
cabeça pousada nas patas dianteiras, o dorso encostado a uma árvore, o azul
escuro da noite sem lua. Mal tinha dormitado uns minutos, foi acordado por um
ruído de unhas a arranhar a terra e um resmungo sinuoso semelhante ao assobio
de um pássaro. Deu um salto e levantou-se. Um esquilo desapareceu na entrada da
toca escavada no tronco da árvore. Brama baixou o pescoço, aproximou o focinho
do buraco, o esquilo lançou-lhe duas nozes na ponta do nariz. Nessa noite o
veado não tocou nas nozes e o esquilo não saiu da toca. Na manhã seguinte ao ver as nozes fechadas, o esquilo
abriu-as e deixou-as sobre a terra. Brama comeu-as.
Delimitado o território de um e de outro, no silêncio dos
dias e na ausência de linguagem humana, Brama e o esquilo tornaram-se
inseparáveis. O esquilo trepava até ao topo das árvores de onde se
avistavam os picos das montanhas mais altas, mais altas que o garrote de Brama
a crescer, a muscular, a engrossar, e ele desatento sem dar por isso.
Nos finais de novembro a chuva chegou e com ela, o gelo e
a rigidez do solo. As ervas no bosque e as nozes na toca escasseavam, o esquilo
saltou para o pescoço de Brama, as patas bem firmes presas às hastes, lançou um
piar de pássaro e começaram a caminhar em direção às montanhas.
Os picos das montanhas cobriram-se de flocos de neve como as
manchas do pelo castanho avermelhado do veado e eram semelhantes na forma e na
textura de veludo das hastes. Brama não se interrogou porque caminhava assim, o
esquilo também não.
O chamamento é a razão mais forte que nos faz quebrar as
regras de um grupo ou a casca de uma noz.