Era diferente. Na fala, nos gestos discretos, no andar contido, estar ou não estar, quem saberia dizer. A tristeza seguia-a, três passos atrás, por isso não tinha sombra.
Recortava máscaras que imaginava, ou outras que lhe
sugeriam, e eram tão reais como as pedras dos muros, como a farinha para o pão,
como a quentura das mantas nas noites frias. As crianças gostavam dela no
empréstimo dos sonhos que sabia traduzir. Escondidos os rostos, tudo era
possível de acontecer e de conquistar. Somos o que encenamos ser.
O teatro onde trabalhava sobrevivia, apenas. E ela
construía os objetos de cena de quase nada e um golpe de luz e apesar dos dias
escuros, o público acorria. Bater as palmas aquece, rir aquece, chorar faz
brilhar os olhos, pano de palco é um vestido novo que se estreia à
quarta-feira.
E quando ela própria cobria a face com a sua máscara
perfeita, preferida, aquela que não dava nem cedia, o cabelo avermelhava-se e crescia. Nessas noites regougavam gritos pelos cantos
da cidade e as velhas acautelavam galinheiros e fechavam as portas das
cozinhas.
Era excessiva. E o que não consumia guardava, e possuía
vinte esconderijos e não se esquecia do lugar exato de cada um nem do que lá escondia.
Depois o público levantava-se, dizia, bravo! Ela sacudia
o coração azul e o pó pousava devagar já era madrugada.
contos de palco, o primeiro
Belíssimo começo de uma nova sequência de domingos :-)
Contos sem sombra :-)
Marcel Proust haveria de ter gostado de conhecer a Manuela