domingo, 1 de dezembro de 2013

parecem-me doces as laranjas não fossem os melros bicar-lhes a cor

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas



Peça em um só ato, acto, para que se me desate o nó de recontar. A época é distante, ou seja, esta que vivemos ou uma outra qualquer, tanto faz. O que existe de melhor e de mais horrendo em cada um de nós permanece imutável. Eu sou eu neste momento aqui e teria sido eu no século XVII e serei eu no ano 2055. Sobre um palco tudo isto é real, os paradoxos desfazem-se, as ilusões refazem-se.
Três personagens caminham por uma estrada. Um rapaz, o pai, António, ainda muito jovem e o senhor Teodoro, um velho viajante. O sol acaba de nascer. O rapaz, descalço, corre à frente do pai com uma gaiola na mão. O viajante, mais atrás, carrega um saco de veludo azul.
Rapaz: Mais depressa pai, assim nunca mais chegamos.
António: Tem calma, não agites tanto a gaiola. Vais mareá-lo.
O senhor Teodoro: O seu rapaz tem cá uma energia. Perdoe a intromissão, mas é tão triste viajar sozinho. O meu nome é Teodoro.
António: Eu sou António e esse aí é o meu filho. Está ansioso por chegar e soltá-lo.
Teodoro: Onde?
António: Não sabemos bem. Tanto pode ser um monte, uma praia, uma floresta, um sentimento. Tem apenas de ser o mais longe possível da cidade dos homens-lâmina que nos laminam também.
Teodoro: ohh.
António: Já os encontrou?
Teodoro: Há muito tempo. Por isso carrego este saco.
O rapaz pára de repente e coloca a gaiola no chão: Tenho sede, pai.
António: Então vamos descansar junto daquela laranjeira e depois continuamos.
O senhor Teodoro: Parecem-me doces as laranjas, um pouco pálidas talvez.
O rapaz, o pai e o senhor Teodoro sentam-se no chão. O velho viajante percebe que a gaiola está vazia e o rapaz diz-lhe, é o meu sonho, vou soltá-lo.
E fecha os olhos, sentado ao colo do pai.
As luzes diminuem de intensidade até focarem apenas o saco de veludo azul.
O senhor Teodoro abre-o, tira uma agulha, as linhas de cor. Entoa uma ária velha como ele e vai pousando sobre os joelhos o guarda-roupa das cenas ainda sem falas, os vestidos brancos, os calções de príncipe, os chapéus de caçador.
contos de palco, o segundo
 
 

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