domingo, 8 de novembro de 2015

Lenda do Poucochinho Monhé e da Múmia Má de Boliqueime




Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas


Imagem do Kaos

A melhor qualidade da Democracia é a sua infinita capacidade de adaptação, por contraposição às enormes limitações, demonstradas pelos seus políticos voláteis. Sendo que esta frase constitui o lugar implícito de um ad libitum, fica para vocês declinarem os adequados corolários, e eu vou só aos que me interessam, começando pelo Quisto da Democracia, Aníbal de Boliqueime. Se fizermos um cronograma do período democrático, verificamos que há uma janela, entre 1974 e 1985, no qual se dá uma rapsódia de tendências, uma enorme panóplia de experiências, uma sucessão infantil de sucessos e fracassos, umas quantas coisas gloriosas, e outras tantas tenebrosas. Quando chega 85, chega a anomalia de Boliqueime, e cai uma cortina de cinza e silêncio sobre a experiência das agitações: Cavaco Silva foi a SIDA da Democracia, e com plena consciência e usufruto.

O resto já também sabem, e a coisa só poderia, como pode, piorar, com o seu regresso, em 2005, sendo que, dos 40 anos de Democracia em Portugal, 20 deles foram gangrenados por uma coisa que ninguém desejaria, insomne, perversa e estagnada. Tem este período a particularidade de ter constituído um para autismo nacional, já que enquanto a Europa navegava em plena Guerra Fria, nós davamo-nos ao luxo de andar a contar cravos e a fazer arruaças pelo campo; quando as trevas do reaganismo, do tatcherismo e do woytilismo caíram sobre o Velho Continente, nós já estavamos razoavelmente adaptados, e alinhamos, com uma múmia algarvia, na paralisação das frentes hippies. Os seus eleitores andam agora a uivar, às portas do Novo Banco.

O Sr. Aníbal, "integrado (no então) actual regime político", teve a estranha coerência de continuar integrado nele, mesmo depois de extinto, e esta é a primeira manifestação de complacência da nossa democracia, a de continuar a encenar uma bolha de neomarcelismo, para que o frequentador das escolas profissionais do Antigo Regime, e doutorado por York (!) -- as bolsas da Gulbenkian pagaram tudo neste país, até isso... --, pudesse viver na ilusão de que o "antigamente" tinha continuado, e ele podia, por imprevisto milagre post mortem, vir a exercer as funções com que sonhara, no País do Cabeça de Abóbora. A coisa nada tem de extraordinária, já que ao António de Santa Comba, já depois de caído da cadeirinha, e substituído pelo Caetano, também continuaram a assegurar pseudo conselhos de ministros, para que não percebesse que o seu tempo tinha acabado. Aparentemente, esta sucessiva folga para a farsa parece assentar numa espécie de saco azul dos orçamentos, e tem um lado pietista, já que permite a grandes cadáveres viverem num estranho verão indiano do seu autismo.

O Verão Indiano de Aníbal de Boliqueime durou 20 anos, e custou demasiado caro à Democracia. Veremos o que lhe vai agora suceder.

A seguir a Aníbal, não vêm os políticos, mas, curiosamente, os comentadores políticos. Os comentadores políticos dividem-se em três espécies, os muito bons, os correntes e os maus. Como dizia Satie, esta última espécie não existe. Na verdade, o nosso ecossistema necessita de uma recalibração e qualificação da espécie: há os comentadores políticos de direita, os que acham que conseguem convencer o público de que não são de direita, os que têm dias, e os chatos de esquerda. Na cauda disto tudo, estão o Luís Delgado, o Marques "Magoo" Mendes e a Ana Gomes, quando o álcool bolsa nela, ou cretinos absolutos, como o "Dona Coisinha", Álvaro Barreto. Sobre esta fauna, curiosa, insuportável e impulsionadora de bocejos, caiu um raio, em outubro de 2015. Como atrás disse, as Legislativas de 2015 ficaram marcadas no meu coração como o último momento em que a Democracia se podia exprimir, para poder dizer ao Cancro de Boliqueime quão nefasto ele lhe tinha sido. Creio que arranjaram uma solução elegante para lhe provocar mal estar, e mostrar que a Democracia, é, de facto, mais forte do que todas as neoplasias cavacais e marianas, e é, pois é. Não vamos entrar no domínio das suposições, e imaginar que uns poderiam ter perdido por um pouco mais, e os outros ganhado por um pouco menos, a verdade é que, para grande desilusão das infeções da comunicação social, as coisas não correram como previsto. Isto, apesar de uma gloriosa última noite de injeção, a que assisti, boquiaberto: a garganta funda de Portugal, Maria João Avillez, de sotaque de barril, de um lado, e o Júdice, sinistro, do outro, a fingirem que eram os matizes do Centro, um mais de um lado, o outro, mais do outro, mas, na verdade, a carburarem o pleno das madrassas balsemânicas. Puseram-se nos bicos dos pés, embalaram as serpentes dos votantes, mas não conseguiram o prodígio das maiorias absolutas. Tiveram azar.

Como democrata, intelectual e artista, detesto as maiorias absolutas. As maiorias absolutas são a expressão parlamentar da intolerância, e o governo ostensivo da arbitrariedade, ao contrário dos jogos palatinos do entendimento, da superação e da cordialidade. Creio que se fosse necessário resumir numa frase o que me separou de Cavaco Silva, para sempre, mentiria, e diria que foi exatamente isto, e nada mais do que isto. Ao contrário dele, estou sempre desintegrado de todas as soluções políticas, e sempre à espera de que os regimes iniciem uma rota de ascensão, de modo a chegarem ao patamar elevado das nossas reflexões. Curiosamente, em outubro de 2015, o regime, depois de ter sido substantivas vezes dado como agonizante, resolveu surpreender-nos, mostrando que a Democracia estava ativa, efervescente e queria renovar-se. Não vou entrar em considerações sobre o que agora está a acontecer: António Costa, o homem do momento, está a jogar uma extraordinária cartada histórica, e, ou é bem sucedido, ou arrasta para sempre, e para um limbo indescritível, um pano inteiro do multipartidarismo. Vamos ser otimistas, e acreditar que a experiência será revitalizante: o resto são considerações humorísticas. Por um lado, as considerações do ecossistema alteraram-se: como as criancinhas foram todas obrigadas a emigrar, os comunistas já não têm que comer ao pequeno almoço, pelo que me parece igualmente arriscada uma libertação condicional do Carlos Cruz. O Bloco cumpriu o desígnio para que Guterres o criou, o de se aliar ao Partido Socialista, e ainda agora a procissão vai no adro. O resto são alianças com animais.

Poderia, e depois escreverei, como um governo que venha a integrar o Galamba, tal como aquele que integrou o Carrilho, é, por essência, uma nado morto. Enquanto durar, todavia, cumprirá o ditame da folga das costas, tal como a enuncia o ditado, e permitirá os verdadeiros aconchegos dos bastidores, como o arranque para catedrático do mestre do Galamba, o filho do Outro: o concurso está aí, e nós vamos pagá-lo, tal como pagamos as nomeações, in extremis, do Coelho da despedida. O país não mudou em nada, e não há reformas estruturais que logrem alcançar este patamar do sarro nacional: é endémico e sistémico, e só gemem os que ficam sempre de fora. Curiosamente, toda a gente dá o Aníbal como manietado, mas eu sou mais prudente. A criatura é sinistra e já deve ter percebido que a aliança de "esquerda" é um recado envenado para que ele, que julgava ir inscrever-se na História como um tempo mais pardo da Democracia, lá acabe associado a uma linha em que se dirá que teve de dar posse a um Governo dos "comunistas". Pelo que conheço das suas limitações, isso é demasiado para o seu poder de encaixe, limitado à Assembleia "Nacional", ao Dia da Raça e à Mocidade Portuguesa. Quem lhe fez isto fez-lhe muito bem feito, nem que tenha sido apenas para o folclore.

Este texto iria para o infinito, e não pode. Esta semana será gloriosamente eloquente e autodefensiva. Esta breve é apenas um esboço, e poderia estender-se por muitas outras mais. Para mim, que não estou afeto a clubismos políticos, apenas vejo o filme passar com o ar divertido das novidades. Espero que faça mossa, muita mossa, ao aleijão de Boliqueime, e lhe torne pesados os derradeiros meses do mandato. Curiosamente, acho que ele ainda nos reserva surpresas, nenhumas delas, obviamente, positivas, como nunca reservou. Pessoalmente, preferia que cometesse o gesto extremo de se demitir, para não dar posse a um governo contra a sua vontade, já que o cargo apenas foi ocupado para lhe fazer as vontades, mas a Democracia é demasiado poderosa, sobretudo agora, para olhar para ele com mais do que com uma reservada complacência.



(Quarteto do poucochinho monhé, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")


 
 

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