Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Twilight Swim de Maggie Taylor
Twilight Swim de Maggie Taylor
Era
uma vez uma velha senhora que morava numa casa grande junto ao mar. A
casa tinha dois andares, sete portas, vinte janelas, cinco varandas e seis
torreões. Rodeada por um estranho e desorganizado jardim onde cresciam plantas
de nomes exóticos tais como metrosidero, pitosporum e tamarix, possuía junto ao
portão de entrada um enorme pinheiro e uma placa onde se podia ler, Boa Esperança. Era o nome da casa.
Quando
tinha seis anos e toda a gente dizia, que linda menina mora nesta casa, o mar
ficava a quinhentos metros de distância e pelas largas janelas sempre abertas
entrava o cheiro a maresia e as gaivotas mais ousadas pousavam nos torreões.
Aos dezoito anos, acrescentaram, que linda rapariga mora naquela casa e o mar
tinha subido vinte metros. Aos quarenta anos era uma mulher bonita e as pessoas
já não diziam nada. O mar tinha subido outros cinquenta metros e no presente, estava
ali mesmo a uns escassos cem metros das escadas que conduziam aos rochedos.
Na
casa existia um piano de cauda tão antigo como a própria casa e nele
três gerações aprenderam a tocar. Os dedos da velha senhora já não tinham
a agilidade de outrora e como os filhos e os netos apenas regressavam nas
férias de Verão, o piano também se sentia um pouco enferrujado e solitário com
algumas notas fora do tom.
Na
verdade tratava-se de um piano especial, temperamental, louco. Nas noites de
lua cheia e maré vaza ouvia-se pela casa o som das suas notas em escalas
trabalhadas, em exercícios rítmicos, em suaves melodias que subindo de tom
terminavam na madrugada em apaixonadas sonatas.
A
velha senhora dizia, este piano está a ficar desafinado, deve ser do sal do mar
e das correntes de ar, talvez fosse bom fechar a janela.
Mas
quando fechavam a janela da sala, o piano aparecia na sala de jantar e se nessa
noite fechavam a janela da sala de jantar, o piano aparecia na copa ou no
quarto de hóspedes. Por fim desistiram de lhe fechar as janelas e ele
permaneceu quieto e desafinado na sua própria sala. A velha senhora decidiu deixá-lo em paz e chamar um afinador de
pianos.
Na manhã seguinte chegou um jovem e belo afinador de pianos e com a sua voz de
afinador afinada, saudou-a, bom dia minha senhora, eu sou o afinador de pianos.
Ela
sentou-se junto dele e do seu velho piano e começaram a conversar e ela
contou-lhe que há muitos, muitos anos, conhecera um afinador de pianos, tão
jovem e tão belo como ele. E o rapaz disse-lhe, talvez fosse o meu avô. Talvez,
respondeu ela e recordou-se daquelas outras mãos sensíveis, dos diapasões e de
como se temperam pianos e corações.
Naquela
noite estalou uma violenta tempestade, a casa oscilou e pelas janelas abertas
entraram o vento e a chuva forte. O piano, afinado, vibrou uma escala em dó
maior e arrancou imediatamente para uma sonata. Eliminada
a distância entre a casa e as ondas, navega agora no mar alto um grande navio
com dois andares, sete portas, vinte vigias, cinco convés e seis chaminés.
Junto à proa pode ler-se o seu nome, Boa Esperança.
"Na verdade tratava-se de um piano especial, temperamental, louco. Nas noites de lua cheia e maré vaza ouvia-se pela casa o som das suas notas em escalas trabalhadas", depois, fazia-se ao mar, e era um clair de lune oscilante, uma melodia das espumas, apenas nos tempos raros.
Só os que o ouviam podiam sonhar
O afinador de pianos canta a melodia muda do mar fundo