domingo, 28 de fevereiro de 2016

o afinador de pianos

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas

Twilight Swim de Maggie Taylor


Era uma vez uma velha senhora que morava numa casa grande junto ao marA casa tinha dois andares, sete portas, vinte janelas, cinco varandas e seis torreões. Rodeada por um estranho e desorganizado jardim onde cresciam plantas de nomes exóticos tais como metrosidero, pitosporum e tamarix, possuía junto ao portão de entrada um enorme pinheiro e uma placa onde se podia ler, Boa Esperança. Era o nome da casa.
Quando tinha seis anos e toda a gente dizia, que linda menina mora nesta casa, o mar ficava a quinhentos metros de distância e pelas largas janelas sempre abertas entrava o cheiro a maresia e as gaivotas mais ousadas pousavam nos torreões. Aos dezoito anos, acrescentaram, que linda rapariga mora naquela casa e o mar tinha subido vinte metros. Aos quarenta anos era uma mulher bonita e as pessoas já não diziam nada. O mar tinha subido outros cinquenta metros e no presente, estava ali mesmo a uns escassos cem metros das escadas que conduziam aos rochedos.
Na casa existia um piano de cauda tão antigo como a própria casa e nele três gerações aprenderam a tocar. Os dedos da velha senhora já não tinham a agilidade de outrora e como os filhos e os netos apenas regressavam nas férias de Verão, o piano também se sentia um pouco enferrujado e solitário com algumas notas fora do tom.
Na verdade tratava-se de um piano especial, temperamental, louco. Nas noites de lua cheia e maré vaza ouvia-se pela casa o som das suas notas em escalas trabalhadas, em exercícios rítmicos, em suaves melodias que subindo de tom terminavam na madrugada em apaixonadas sonatas.
A velha senhora dizia, este piano está a ficar desafinado, deve ser do sal do mar e das correntes de ar, talvez fosse bom fechar a janela.
Mas quando fechavam a janela da sala, o piano aparecia na sala de jantar e se nessa noite fechavam a janela da sala de jantar, o piano aparecia na copa ou no quarto de hóspedes. Por fim desistiram de lhe fechar as janelas e ele permaneceu quieto e desafinado na sua própria sala. A velha senhora decidiu deixá-lo em paz e chamar um afinador de pianos.
Na manhã seguinte chegou um jovem e belo afinador de pianos e com a sua voz de afinador afinada, saudou-a, bom dia minha senhora, eu sou o afinador de pianos.
Ela sentou-se junto dele e do seu velho piano e começaram a conversar e ela contou-lhe que há muitos, muitos anos, conhecera um afinador de pianos, tão jovem e tão belo como ele. E o rapaz disse-lhe, talvez fosse o meu avô. Talvez, respondeu ela e recordou-se daquelas outras mãos sensíveis, dos diapasões e de como se temperam pianos e corações.
Naquela noite estalou uma violenta tempestade, a casa oscilou e pelas janelas abertas entraram o vento e a chuva forte. O piano, afinado, vibrou uma escala em dó maior e arrancou imediatamente para uma sonata. Eliminada a distância entre a casa e as ondas, navega agora no mar alto um grande navio com dois andares, sete portas, vinte vigias, cinco convés e seis chaminés. Junto à proa pode ler-se o seu nome, Boa Esperança.

2 Responses so far.

  1. "Na verdade tratava-se de um piano especial, temperamental, louco. Nas noites de lua cheia e maré vaza ouvia-se pela casa o som das suas notas em escalas trabalhadas", depois, fazia-se ao mar, e era um clair de lune oscilante, uma melodia das espumas, apenas nos tempos raros.

    Só os que o ouviam podiam sonhar

  2. Arrebenta says:

    O afinador de pianos canta a melodia muda do mar fundo

 
 

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