Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Por razões que são conhecidas, não frequento a escrita de Maria Velho da Costa, mas o teor deste texto não se prende com a sua obra literária, mas com a pessoa pública, que, queiramos, ou não, poderemos reler, como eco, e ressonância, da pessoa privada. O nosso tempo é demasiado exemplar, no mau sentido, na confusão entre todos esses planos, mas isso também é um sinal da era, e não é o fulcro desta breve.
A pessoa pública de Maria Velha da Costa, a única que conheço, teve, relembro, em tempos que não são do meu tempo, uma postura de rotura com um regime que não prestava.
Há um momento para os intelectuais dizerem... não, e Maria Velho da Costa, uma das três marias, disse-o, ao decadente salazarismo caetanista. Depois, entrou naquele limbo em que, mais coisa, menos coisa, mergulharam todos os prosadores portugueses do pós 25 de abril: um jorrar de livros que, em nada, contribuirá para o Esplendor da Língua. Esse, é porém, o espaço da obra, que é aqui irrelevante, como disse, já que a pessoa pública de Maria Teresa Horta, corajosamente, hoje, voltou a dizer... não.
Entre os dois "nãos" alinhavam-se, todavia, uma miríade de efemérides, das quais se destacam todas, e muitos, excessivos, intervenientes, numa primeira hermenêutica, separados pela barreira dos que disseram... não, e daqueles que disseram... sim.
Tomando como exemplo da segunda categoria os inaptos Vasco da Graça Moura, Nuno Crato, e Francisco José Viegas, temos epifanias de gente que sempre dirá entre "sim", "sim, sim", "sim, sim, sim", e mesmo, nos casos mais miseráveis, um, à maneira antiga, "sim, sim... sr. doutor". Não vou especificar de quem falo, porque o molde é tão maleável que encaixa perfeitamente em muitos mais figurinos do que os que trouxe para a ribalta. Para eles, é irrelevante uma coluna de jornal, uma direção do "Taguspark" e um poiso ministerial, logo a seguir. Às vezes, até dizem "sim"... pela ordem inversa, e para a obtenção do mais baixo.
O horizonte destes "sins" é sempre o barómetro do topo da base, aquele horizonte limitado que rege as suas estátuas interiores, e estes nem serão os piores, porque há os "sins" crónicos, os "nãos", que, de facto, são permanentes "sins", como Manuel Alegre e Saramago, e, mesmo os "sins", antes de haver "Sim", como Agustina Bessa Luis, esse quisto da Língua Portuguesa, de quem o defunto Viegas, e muito bem, dizia que "já era fascista antes de haver Fascismo", e era, e é.
No extremo oposto, há os que, intelectualmente, dizem... não. Tomando um exemplo externo, Sartre, ao recusar o Nobel, estava a atribuir uma mortal valorização negativa ao galardão. O intelectual interventor é aquele que dá brilho aos prémios, não o contrário, assim como, e exemplarmente, Sartre não se posicionava politicamente, independentemente das crises ideológicas, e clubismos, pelos quais passasse. A sua posição era paradigmática: "não sou eu que tenho de seguir os políticos, são os políticos que, mais tarde ou mais cedo, terão de integrar as minhas palavras". E assim se fez.
Num horizonte cultural miserável, como o português, onde os pequenos figurantes saltam de clube em clube, de loja em loja, de seita em seita, para alcançaram o limitado patamar do seu topo da base, o "sim" impera, e é tão generalizado que acabamos por nem dele nos apercebermos, mas está, como sabem , por toda a parte.
Eu fui criado na cultura do "não", e, consequentemente, venho aqui pretar homenagem a esse gesto do "não", de Maria Velho da Costa, que hoje se reveste de particular simbolismo, nestes momentos finais do Regime. A figura mais elevado deste "não, uma cultura da resistência passiva à mediocridade, é, sem dúvida, Herberto Hélder, cuja produção literária, ao contrário da de Maria Velho da Costa, já marcou a nossa Língua, tal como a sua pessoa pública, no persistente "não", se demarcou das limitadas varandas da portugalidade. Um tempo virá em que a sua pessoa privada será relida, em funções deste duplo "não", do público e da pessoa literária.
O que há de mais complexo no gesto de Maria Velho da Costa, está, todavia, numa fronteira da degenerescência de que dificilmente nos damos conta, mas que exemplifica ter havido quarenta e tal mil candidatos ao Ensino Superior, e o dobro à sintomática "Casa dos Segredos", espaço de divertimento que espelha, não só pela figura e comportamentos da sua mentora, como pelos patamares dos que nela contracenam, a "Atualidade".
Passámos do muito mau para o péssimo, e creio que as pessoas privada, e pública, de Maria Velho da Costa estarão a sentir uma coisa muito próxima daquilo que eu próprio sinto, a reboque da síndroma da madalena, de Proust: num tempo, ela disse "não", a uma coisa que não prestava, para num pavoroso momento de espanto, perceber agora que tem de voltar a dizer "não", numa sequela temporal de uma coisa indescritivelmente pior.
Apesar de, e por que, aqui ficam as minhas felicitações literárias, e os parabéns da pessoa, cidadã, e da pessoa pública, que, com ela, totalmente, se solidarizam.
Parabéns a quem diz "NÃO" aos capatazes da Chafarica!
Parabéns à Maria e a ti também.
Não.
NÃO