Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Tem chovido demais. À beira dos passeios, entre os buracos da calçada, começam a aparecer peixes perfeitamente espantados incapazes de justificar o que estão ali a fazer.
Tem chovido demais. À beira dos passeios, entre os buracos da calçada, começam a aparecer peixes perfeitamente espantados incapazes de justificar o que estão ali a fazer.
Na verdade os peixes não têm de justificar coisa alguma,
nem mostram grande interesse nisso. Os homens estudam os peixes, estes
deixam-se observar.
Admirável é o peixe arqueiro. Vinte e cinco centímetros
de escamas, guelras, barbatanas dorsais, peitorais e uma fome devoradora.
Concentra-se, foca um inseto distraído, crocante e zás! uma enorme gota de água,
um jacto mortal em direção à presa que lhe cai inteira na boca. Tudo isto sem
grandes alterações internas, esforços, cálculos. Apenas a dinâmica da água e a
cuspidela certeira. Remorsos, também não. Nunca sentimos remorsos quando
comemos tiritas de milho, pois não.
No entanto, quando a fila é grande e a menina da caixa do
supermercado não cala a boca e a senhora da frente se esqueceu de trazer um
pacote de natas que está algures a dez corredores de distância, ou o
funcionário das finanças nos informa pela primeira vez, que já nos tinha
informado duas vezes e nós é que não entendemos e ele sim, ou o carro está
bloqueado porque não deixámos os piscas e a roda direita dianteira ocupou cinco
centímetros do passeio, ou os poderes por aí acima na hierarquia complexa dos
dias nos fazem perguntar, quem somos nós que aceitamos isto.
Então, sem grandes alterações biológicas internas,
esforços, cálculos, somente a dinâmica da nossa pele e zás! uma enorme e mortal
cuspidela.
E nós arqueiros a pelejar com arcos.
o peixe é o black durgon triggerfish de
Mark Laita reinventado por mim
O conto é muito bonito, e apesar de tentar inverter a velha lógica da contemplação cósmica que se afunda no Mundo, apesar disso, começa no Mundo e acaba por mergulhar muito acima, num movimento inverso que não é para todos. Há um paralelo com o Jean-Henri Fabre, que faz uma épica inteira a partir da Entomologia, mas isso creio que é uma característica de toda a obra da Manuela, e não era isto que eu queria escrever, mas apenas uma felicitação estética e emocional, quando acabei numa pequena exegese.
Não importa: faz de conta que estávamos num mundo sério -- não estamos, estamos no Mundo dos Saramagos, dos josés rodrigues dos santos, dos miguéis sousas tavares e das margaridas rebelo pinto --, a Manuela tinha publicado o conto, e o crítico tinha acabado de lhe fazer o pequeno elogio. Iria vender muito.
Esperamos pelo restante, claramente :-)
... e, já que mergulhámos na Poesia e na Literatura profundas, e nos muitos facteur cheval deste mundo desolado, é também Fabre que influencia aquele terrível momento magnético do besouro metálico, que incluí no epitáfio de Cesariny, que aqui fica
http://issuu.com/heliogabalus/docs/mortecesariny
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. a literatura da nossa manuela é assim ,,, . digamos que . como que de um colírio se tratasse . amadurecente .
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quinto instante
faz de conta
:)
Faz de Lola :-)