Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Às vezes vem pelo natal, outras, quando lhe apetece.
Também posso chamá-la, mas requer paciência e perícia. Sento-me na beira do
poço, as pernas penduradas para o lado de dentro e abro devagar o pacote das
bolachas de chocolate. Lanço pedacinhos lá para baixo, no escuro da água
desenham-se círculos, remexem seres, não são peixes nem homens. Este poço é
eterno no nosso quintal. Traz a água das chuvas, dos rios subterrâneos. À
medida que o betão cresce desvia-se do seu caminho natural e por qualquer lado
a água sai. É como a raiva acumulada, explode. No poço, existe um motor que
dispara quando o líquido atinge um determinado nível, com a raiva é igual.
Passam dois ou três dias e ela chega. Uma loucura de
roncos e ruídos, espaneja água com um ligeiro cheiro a peixe, bate palmas com
as patas dianteiras, devora três bolachas. Os olhos imensos dão-me a volta à
vida e eu digo, Lulu. Ficamos ali as duas, eu com os pés a rasar sapos, ela na
borda do poço a contar coisas. O atlântico norte está gelado, os ursos polares
são apenas dois ou três, os marinhos lutam, aparentemente ganha o mais forte.
Por aqui é igual, respondo. Ela pergunta, e o peixe? qual peixe, digo eu. As
douradas e os robalos, os carapaus de gato, diz ela. Hã, faço eu. Lulu acha-nos
um pouco tolos, em matéria de pescado sobra-nos mar. Eu atiro-lhe, que as
papoilas encarnadas estão por aí um dia destes.
Depois prende-se-me um abraço ao peito e um coaxar de rã
e já é quase noite.
Lulu vem quando lhe apetece.