domingo, 17 de fevereiro de 2013

Lulu

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas

Às vezes vem pelo natal, outras, quando lhe apetece. Também posso chamá-la, mas requer paciência e perícia. Sento-me na beira do poço, as pernas penduradas para o lado de dentro e abro devagar o pacote das bolachas de chocolate. Lanço pedacinhos lá para baixo, no escuro da água desenham-se círculos, remexem seres, não são peixes nem homens. Este poço é eterno no nosso quintal. Traz a água das chuvas, dos rios subterrâneos. À medida que o betão cresce desvia-se do seu caminho natural e por qualquer lado a água sai. É como a raiva acumulada, explode. No poço, existe um motor que dispara quando o líquido atinge um determinado nível, com a raiva é igual.
Passam dois ou três dias e ela chega. Uma loucura de roncos e ruídos, espaneja água com um ligeiro cheiro a peixe, bate palmas com as patas dianteiras, devora três bolachas. Os olhos imensos dão-me a volta à vida e eu digo, Lulu. Ficamos ali as duas, eu com os pés a rasar sapos, ela na borda do poço a contar coisas. O atlântico norte está gelado, os ursos polares são apenas dois ou três, os marinhos lutam, aparentemente ganha o mais forte. Por aqui é igual, respondo. Ela pergunta, e o peixe? qual peixe, digo eu. As douradas e os robalos, os carapaus de gato, diz ela. Hã, faço eu. Lulu acha-nos um pouco tolos, em matéria de pescado sobra-nos mar. Eu atiro-lhe, que as papoilas encarnadas estão por aí um dia destes.
Depois prende-se-me um abraço ao peito e um coaxar de rã e já é quase noite.
Lulu vem quando lhe apetece.
 
 

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