os pássaros de Johann Knopf desenhados por mim
Quando
desenhou o primeiro pássaro ainda não era quinta-feira e os cantos da folha
eram apenas três.
A
chuva permanecia líquida e as trovoadas noturnas sucediam-se a um ritmo
considerado perfeito para fazer crescer a alfazema e o alecrim. Com a primeira,
enchem-se pequeninos sacos de talagarça bordados a ponto cruz. Com o segundo,
tempera-se o cordeiro e as batatas novas.
Nunca
tinha visto um pássaro assim, nem mesmo os que pintara nos azulejos mate da
cozinha e que aos primeiros sinais da primavera, levantaram voo em busca das
andorinhas dos beirais numa profusão de cantos e de gritos.
Este
não aceitava a cor nem o movimento das linhas, estilizava-se provocatoriamente
e resmungava, quero ser um pássaro branco numa folha preta. O homem achou
perfeitamente natural ouvir a voz do pássaro e quando a sexta-feira chegou,
tinha desenhado dois pássaros brancos presos numa folha preta.
Na
manhã de sábado, multiplicados os pássaros, os cantos da folha eram quatro e o
homem percebeu que o ar se respirava de uma outra forma, que o seu peso tinha
mudado como se já não precisasse de braços nem de pernas.
No
forno, os folares doces pincelados com a gema amarela dos ovos inundavam a casa
de um cheiro a fermento ázimo e o silêncio pousava ainda sobre as coisas.
Abriu
as gavetas, limpou o pó às cadeiras, passou a ferro as toalhas e os
guardanapos, enfeitou as jarras com as rosas-chá e escondeu os ovos de
chocolate nos canteiros e no vaso das túlipas.
Na
folha preta os pássaros bicavam, batiam as asas e nas cabeças tinham-lhes
crescido as cristas e as poupas.
Então
o homem rasgou os quatro cantos da folha, soltou o pássaro branco e junto com
os outros pássaros iniciaram o seu voo de passagem, dando-se margem, leito e
foz.
Era
domingo e o bronze dos sinos repicou.
Aguardamos por mais beleza, em puro tempo de naufrágio :-)