Zeferino era magrinho como uma cana-da-índia, esperto
como um rato do campo, mas era do mar. Zeferino
tinha um barco pintado de branco, duas riscas à volta, uma amarela a
outra encarnada, na proa um olho
espreitava para o livrar do mal e das tempestades, das vozes das sereias e das
correntes malsãs. Zarpava ao entardecer e regressava ao nascer do sol, as
gaivotas a esvoaçar a proa, calmas e mansas como se inútil tivesse sido a
pescaria.
Não havia quem lhe ganhasse a escalar um peixe. Uma faca
estreita e comprida e um movimento delicado e certeiro ao longo da espinha, uma
erva, o sal marinho e as brasas no ponto. Depois um fio de azeite a desenhar
círculos e ninguém resistia a dizer-lhe, não foras tu pescador, serias chefe de
cozinha. Ele encolhia os ombros, indiferente, se não fosse pescador seria coisa
nenhuma.
Nas noites de lua cheia, não pescava. Ficava ao largo a
ver passar os cardumes prateados de peixe miúdo aos saltos sobre as ondas e
esperava-o, ao peixe-pico. Não era pontual, chegava quando queria e era o peixe
mais divertido das águas de Sesimbra. Contava anedotas de peixe e quando se ria
o seu corpo redondo enchia-se de picos que tocavam uns nuns outros fazendo um
ruído sibilante que confundia os peixes maiores. Às vezes perguntava, ó
Zeferino, tu que és tão fino, porque é que nunca me conseguiste pescar? E
rebolava-se a rir à tona de água e Zeferino ria-se e chorava a rir e até o olho
pintado no barco deitava uma lágrima de alegria.
Quando a lua se escondia, o peixe pico ia à frente e o
barco atrás com Zeferino à ré, navegavam algumas milhas, davam a volta aos
rochedos, tocavam os faróis, descodificavam os sonhos das tartarugas marinhas e
por fim adormeciam.
Muitas foram as histórias que contei de Zeferino o
pescador, umas inventadas outras não, mas esta do peixe–pico é a mais feliz.
Felizes daqueles que podem escrever a olhar para o mar :-)
Boas férias, Manelinha, e obrigado pelo belíssimo texto.
Também já estou no ir :-)
Thalassa, thalassa, thalassa!!!!... :-)