Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
bailarinas de papel
bailarinas de papel
Calham-me sempre os domingos. Era uma vez um cágado que
gostava dos domingos e não gostava dos sábados. Era cágado. Eu gosto dos
sábados e dos domingos. É assim uma espécie de repartição equitativa dos
afetos, apesar de correr o risco de trocar o sábado pelo domingo ou o domingo
pelo sábado. Mas isso não tem importância nenhuma, porque estou convencida que
eles não trocam de lugar.
As pessoas convencidas como eu, são insuportáveis. Por
exemplo, as que se convenceram que o desemprego está numa descida vertiginosa,
que os sem-abrigo gostam do ar noturno para adormecer, que os pobres são
extremamente ricos em abonos de família, que a frugalidade alimentar é ótima
para baixar os valores do mau colesterol, que as crianças são por natureza
felizes e inocentes, que os velhos são sábios e gostam de casas de repouso e de
hospitais em parceria público privada. Que os professores são facilmente
requalificados em estátuas. Preciso de respirar, mas continuo. Que os jovens
estão bem em casa dos pais até ao trinta e cinco anos de idade, com beliche e
roupa lavada ou então em outras paragens e eu nisso convenço-me também, porque
não há pior do que as nossas, em estradas desabrigadas, mal iluminadas e quando
estendemos o braço, o autocarro já se foi. Que comprar um apartamento é um
perfeito disparate, não temos absoluta necessidade de comprar seja o que for,
tudo nos é dado, daí o estado deste país cheio de dívidas de gratidão e
novecentos e cinquenta euros de rendimento social de inserção. Que ter um
emprego é uma sorte e os direitos, são sobras do passado embrulhadas em papel
de jornal que já ninguém lê.
Depois há o sol e uma luzinha no peito que diz que este é
o domingo primeiro, novíssimo. Fazemos dele o que nos apetecer.
Calham-me sempre os domingos. O problema será encontrar uma ilustração para este
texto, mas estou certa de que não terá nada a ver.