Eu nasci em São Paulo , no dia 30 de dezembro de 1970, filho de Pedro Papoy e Rosilda de Moura Montarroios.
Os Papoy tinham origem húngara. Na verdade, eram Papay. Mas meu avô, apesar de se chamar Miguel Papoy, teria nascido na Áustria, em Viena. Ou teria nascido em São Paulo mesmo, ninguém sabe ao certo. Meu pai nasceu em 1930 e já tinha um filho, Marcos Aurélio, que por algum motivo, escondeu de nós até quando eu estava com uns 12 anos. Meu pai sempre foi meio maluco. Aliás, quando eu era criança, ele dizia se chamar Maurício e não Pedro.
Minha mãe nasceu em Recife, em 29 de setembro de 1950, e tinha vindo para São Paulo com uns 2 anos de idade.
Meu pai tinha um irmão e seis irmãs. Minha mãe teve cinco irmãos. Quando eu nasci, eles eram ainda adolescentes. Como meus pais não viveram juntos, cresci com eles.
Morávamos na Vila Antonieta, que, por algum motivo, chamavam de Vila Rica e há quem a chame assim até hoje. Zona leste de São Paulo.
Quando eu estava com uns três anos, mudamos para o bairro da Vila Nilo, na zona norte de São Paulo, numa rua que era travessa da Rodovia Fernão Dias. Não tinha água nem asfalto. Era uma casa particular, paga a prestações.
Minha mãe trabalhava primeiramente num supermercado, como caixa, depois foi trabalhar como vendedora numa loja de roupas.
Quando eu tinha seis anos, entrei na escola. Educandário Nossa Senhora do Carmo, uma escola particular. Não que éramos bem de vida, mas a escola não era tão cara, minha mãe não ganhava tão mal e havia a ideia de que escolas públicas não eram boas. Até uma perua vinha nos buscar em casa, conduzida pelo mal humorado Senhor João, que também trabalhava na secretaria da escola.
Não fiz o jardim da infância, comecei no pré-primário. Assim, só aprendi a ler no ano seguinte. E aprendi a ler instantaneamente.
O que importante aconteceu naqueles primeiros anos de escola e eu gostaria de contar hoje, aos 44 anos? Já contei esta história muitas vezes e só estou contando de novo porque joguei todas as minhas memórias no lixo.
Lá para 1980, quando eu estava com nove anos, minha avó perdeu a casa da Vila Nilo e nos mudamos para o Jardim Modelo, mas dizíamos que morávamos no Jaçanã. Deixamos uma bela casa com um quintal gostoso e mudamos para um casebre podre com um quintal tenebroso cheio de capim, a frente de uma favela. E ainda havia outra favela na mesma rua, que também era travessa da Rodovia Fernão Dias. Por sinal, tínhamos medo de ir até lá no fim da rua, onde havia a favela e, em todos os anos em que morei ali, devo ter passado ali, cagando de medo, umas duas vezes. E a favela na frente de casa pegou fogo duas vezes. A primeira vez foi logo que nos mudamos e nem tínhamos montados os móveis ainda. Ou não havia móveis para montar. Sei que estávamos dormindo no chão, um hábito que não abandonei, infelizmente, até hoje.
Dos irmãos de minha mãe, só dois estavam casados. Havia mais três solteiros. No total, éramos oito pessoas dividindo o mesmo quarto. Obviamente, alguns dormiam na sala. Não sei por que foi que os adultos perderam a casa da Vila Nilo nem porque alugaram aquela porcaria de casa, que viveu nos meus pesadelos durante décadas.
Meu pai aparecia de vez em quando. Eu até gostava, porque as crianças gostam das coisas com mais facilidade do que os adultos. Meu pai gostava de ter Mavericks e me dizia que quando eu completasse 18 anos, iria me dar um. Eu acreditei.
Minha avó arrumou um namorado. O nome dele era Severino e era sargento da polícia militar. Minha avó conhecia muitos militares porque trabalhava na Caixa Beneficente da Polícia Militar, emprego que conseguiu através de seu marido, meu avô, que também havia sido sargento da PM e tinha morrido bem cedo, com 30 e poucos anos.
Severino ficou comovido com o fato de que oito pessoas estavam aglomeradas no mesmo canto e tomou uma decisão. Alugou a casa dos fundos, fez um buraco na parede para juntar as duas casas e comprou móveis. Eu gostava do Severino. Jogávamos baralho e dominó o tempo todo, como se a vida fosse apenas isto.
Mas meus tios se casaram e foram embora. Severino também foi embora. Fiquei sozinho com três mulheres. Senti-me completamente abandonado e descobri o quintal de casa e o quintal dos vizinhos como universos a ser explorados.
Eu cavava grandes buracos, removia pedras do tamanho de tanques e jogava em esgotos, levantando dez metros de merda, plantava milho, tentava criar galinhas, fazia fogueiras apocalípticas que enlouqueciam os adultos. Quase descobri a sexualidade com uma garotinha que morava na casa ao lado e se chamava Elisângela. Às vezes, brincávamos de marido e mulher. Deitávamos juntos, em cabaninhas, e eu lhe dava uns selinhos, sem que os adultos vissem. Mas infelizmente, ela também foi embora. Uma pena, porque recebemos a visita dela e da mãe, quando ela já estava grande, e estava um mulherão. Tivesse continuado morando ali, talvez eu tivesse descoberto mais coisas.
Fui me apaixonar loucamente com 11 anos, quando estava na sexta-série.
Entrou uma garota na escola, chamada Helena, que foi a primeira garota evangélica que conheci na vida. Naquela época, eram raros os evangélicos e só havia uma garoto na minha classe. Helena era uma loirinha de 13 anos linda de morrer e super gostosa, com uma bunda fenomenal, que enlouquecia a escola inteira e gerava ciúmes nas outras garotas da classe. Alguns dias depois que Helena havia chegado, pediu para se sentar ao meu lado e disse que queria namorar comigo. Fiquei absolutamente apavorado, como uma criança indefesa andando no parque e atacada por uma maníaca. Sem saber o que dizer, falei a ela que iria pensar. Pensar no que? Fui incapaz de responder qualquer coisa e parecia que a escola inteira estava esperando minha resposta. Outras meninas da classe e da escola ficaram desesperadas com a ousadia de Helena e passaram a me mandar bilhetinhos, dizendo que gostavam de mim. E eu fiquei completamente atordoado. Outros colegas também esperavam minha resposta porque estavam interessados na Helena. Um deles me disse: “A Helena quer saber se você é gostoso”. “Como assim?”, falei, para a gargalhada geral. Eu era um cabaço completo. Mas Helena me pressionou e eu disse que não gostava dela. Era uma mentira terrível, porque eu estava loucamente apaixonado e ficava até nas nuvens, pensando nela. Os adultos em casa me perguntavam se eu estava doente.
Helena, infelizmente, não fez a sétima série no Educandário. Uma pena porque eu iria ficar encantado com aquela bunda, já que aos 12 anos eu já estava me masturbando desesperadamente. Batia umas dez punhetas por dia. Não havia nada que me interessasse mais além de punhetas.
Ela voltou na oitava série e desta vez, a escola inteira tinha desenvolvido uma cruzada para catar Helena. Ela provocava. Usava shortinhos enfiados no cu e ainda dizia que eram discretos quando usava para ir à escola, porque na rua e em casa usava shorts piores. Mesmo quando usava o uniforme da escola, quando ela andava de um lado para o outro, a única coisa que víamos era sua bunda. Vários caras tiveram o primeiro beijo com ela. Eu ficava bem enciumado, mas falei para ela que a achava uma galinha. Ela dizia que eu não tinha o direito de dizer aquilo porque nunca havia acontecido nada entre nós, além de umas bolinadas que lhe dei. Não foi por falta de iniciativa dela, porque ela quis muito que acontecesse, mas eu sempre saí correndo, por puro medo de que os adultos em casa ficassem sabendo e dissessem: “Olha aí, tá namorando!”, o que me daria vontade de enfiar a cabeça dentro da terra.
O primeiro grau acabou e só vi Helena mais uma vez. Cruzei rapidamente com ela no metrô. Ela parou para conversar, mas eu passei direto. Depois, me arrependi. Passei o resto da vida sonhando em encontrar Helena , mas nunca a achei nem nas redes sociais.
(continua)
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Grandes ausências = grande criatividade :-)
um contador de histórias
e a vida sem Helena