sábado, 28 de março de 2015

O Nada - V

1987 começou e eu me curei subitamente do pânico. Estava num ônibus lotado, voltando da Associação Desportiva da Polícia Militar e pensei: “Nada vai acontecer comigo”. Decidi voltar à datilografia e me matriculei novamente no SENAC, mas numa escola que ficava na Casa Verde. Eu fui à escola mais vezes. Mas passava uma hora trancado no banheiro batendo punheta. Quando saía, os outros alunos olhavam para mim com sorrisos nos cantos dos lábios. Eu fazia isso todo santo dia. Até que abandonei a escola também. Matriculei-me numa das piores escolas em que estudei em minha vida, chamada Externato São Judas Tadeu, que ficava ao lado de casa. Algumas escolas particulares de São Paulo conseguem ser deploráveis. O horário era louco: 16h às 20h. Eu nunca entendi aquele horário. Mas fiz um amigo metaleiro que mandou ler livros de filosofia. Foi o início de minha leitura de livros de filosofia, que não terminou nunca, mas que eu não sei exatamente para que serviu na minha vida. Continuei apaixonado por Andréia, prima da Lara, amiga da minha irmã, que estudava com a gente. Conto detalhes sobre ela no livro “As Gatas”. Foi meu primeiro beijo. E mais um fora doloroso em minha eterna coleção de foras. O pai da Lara, seu Kazama, me arranjou meu primeiro emprego, quando abandonei a escola. Office boy, que ele chamava “auxiliar menor”, não sei por que. Foi um saco de emprego. Eu odiava meus colegas de trabalho que me tratavam como escravo. Não tive a menor paciência e caí fora do emprego. Passei o resto do ano sem fazer nada. Comecei a usar óculos para miopia. Disseram-me que eu tinha vocação para palhaço e que eu deveria fazer um curso. Eu, fazer cursos e deixar a merda da minha vida? Arranjaram-me uma garota para eu beijar, uma menininha chamada Leuza, que fumava. Mas me pediram para não me envolver emocionalmente com ela e foi exatamente o que fiz. Resolveram me contar que ela havia saído com outro cara e eu não me interessei mais por ela. O namorado da minha irmã fazia bailes e me chamava para ajudar a dor o som, porque eu tinha muitos discos. Eu poderia ter seguido carreira como dj, mas quando minha irmã brigou com ele, não participei de mais nenhum baile. O que eu não tirava da cabeça era a ideia de publicar um livro de poemas. Apesar de ter queimado todos os meus poemas, quando tomei o fora da Andréia, eu escrevia tanto em 1987 que logo tinha um calhamaço de poemas novamente. Mas o que eu gostava de ler eram livros de terror, especialmente os livros de Stephen King. Tentava escrever prosa, mas não saía do lugar. Além das incontáveis tentativas de escrever a história da minha vida, também tentava completar aquele mesma história que havia começado lá pelos 13 anos e havia batizado de “A Órbita”. Minha casa tinha um bilhão de baratas. Não havia um dia sequer em que não enfrentávamos uma barata. E como sempre dormíamos no chão, por falta de espaço e falta de camas, já ocorreu de uma barata passar no meu rosto com aquelas perninhas que pareciam agulhas. Mas já me deparei com baratas subindo no sofá também. E eu dormia no sofá com muita freqüência. Vi uma cena terrível. Houve uma inundação no quintal e alguém resolveu destampar um bueiro. Saíram 800 baratas de uma vez. Um gato aproximou-se e começou a comer as baratas. Há cenas que não saem da cabeça da gente jamais. Aos 16 anos, eu já estava desesperado de vontade de transar.
 
 

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