Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Oh, happy day! de Maggie Taylor
Oh, happy day! de Maggie Taylor
Tinha
uma marca, uma diferença, uma letra a mais no seu nome. Muda, inútil. Quando
pensava nisso ficava zangado, com os pais, os padrinhos, o funcionário do
registo civil, com a professora que o obrigava a escrever o cê antes do tê e
ele queria trocar o cê pelo quê de porquê. Outras vezes inventava nomes para si
e perguntavam-lhe, como te chamas e ele respondia, Juno, ou Oceano e corava
feliz da ousadia ou da mentira, tanto faz.
Depois
cresceu e fez silêncio sobre este assunto. Dir-se-ia conformado, mas era apenas
uma aceitação, um desvio que fazia, uma trégua.
Um
dia o pai deu-lhe um laranjal e ele aceitou. Um terreno quadrado, solarengo,
abrigado. E as laranjas cresciam doces nos dias de sol e sumarentas depois da
chuva. Mesmo no centro, uma laranjeira amarga. Mas era bela e o pai dizia, com
esta tem cuidados redobrados, porque é única e se troçarem dela, defende-a. Se
compreenderes a sua resistência à frutose, crescerás mais dez centímetros na
escala da vida.
O
pai falava assim, na escala da vida. Na escala da morte. Na escala dos homens.
Era a sua dimensão, o cais onde o seu barco aportava. Victor aprendeu a tratar
das laranjeiras, a podá-las, a limpar o terreno à sua volta. Depois deitava-se
no chão a cabeça encostada ao tronco de uma delas, os olhos abertos em direção ao
verde das folhas.
Outras
vezes abria um livro e ficava horas a ler, costas com costas, as suas e as da
árvore. Quando alcançava a página trinta e cinco, se o livro era pequeno ou a
página cento e vinte e sete, se o livro era volumoso, Victor dava um salto na
escala do tempo e entrava na história. Da primeira vez que isso lhe aconteceu
ficou sem fala, a tremer e lá estava ele e a fada azul, um em frente do outro e
ela a dizer, pede um desejo e ele calado, indesejado. Ficou apenas dez minutos
e o livro cuspiu-o. Não contou a ninguém, mas imaginou que o cê do seu nome
poderia ser a expressão de um benefício.
Nesse
dia colheu as laranjas amargas da laranjeira mais bela, a que habitava o centro
e pediu à mãe que o ensinasse a arte das compotas. Coisas de rapaz, pensou a
mãe e jantaram muito tarde nessa noite, pão acabado de fazer no forno de lenha
e doce de laranja amarga com requeijão.
Foi
por esta altura que deixou de usar calções e ficou apaixonado pelas ilustrações
dos livros, pela magia das imagens que o faziam saltar páginas e alcançar
rapidamente a página trinta e cinco, mas isso era batota e não funcionava
assim. Quando estava irritado entrava numa história de tempestades e medos, de
poderes ocultos e estranhos, de seres terríficos e assustadores. Apaziguado,
permanecia cavalo branco asas de luar e nunca mais foi cuspido de uma
história.
O
cê do seu nome tornou-se uma necessidade premente. Oceano desapareceu num mar
de vida e Juno era o rapaz de quem ele teria saudades um dia.
Passaram
já muitos ciclos e estações, tantas as flores de laranjeira. Mas há um momento,
em que longe do laranjal que o pai lhe deu e ele aceitou, Victor sente as
costas sem o apoio de outras costas e chegado à página cento e vinte e sete,
deseja do mais profundo da sua raiz de laranja amarga, entrar numa história
bonita e viver lá para sempre.
Eu também viveria cá para sempre :)
Beijos e muitos abraços
Koh Samui (Thailand)
Koh Samui é uma das muitas razões pela qual, no Carnaval, não devemos ficar por este lugar deprimente, exceto quando o trabalho nos obriga.
Boa viagem, que nós cá estamos a viajar pela imaginação da Manuela, um dos produtos que nenhuma agência de viagens, felizmente, disponibiliza :-)