Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
E por fim riu-se. Num gesto ainda bonito, atirou para trás os cabelos pretos azeviche, lustrosos como veludo, pegou no saco e desceu as escadas a correr. Eu acenei-lhe e pensei na impossibilidade de duas pessoas tão diferentes conseguirem ser iguais. Às vezes estamos mais de um ano sem nos vermos e a conversa é reatada no ponto em que ficou e rapidamente unimos os pontos separados e os outros que pintamos por aí. Fazem uma linha.
E por fim riu-se. Num gesto ainda bonito, atirou para trás os cabelos pretos azeviche, lustrosos como veludo, pegou no saco e desceu as escadas a correr. Eu acenei-lhe e pensei na impossibilidade de duas pessoas tão diferentes conseguirem ser iguais. Às vezes estamos mais de um ano sem nos vermos e a conversa é reatada no ponto em que ficou e rapidamente unimos os pontos separados e os outros que pintamos por aí. Fazem uma linha.
Ela pergunta, lembras-te daquela casa com um portal, duas
colunas, a varanda toda à volta e os espanta espíritos que afinal não
espantavam nada e até atraíam os morcegos? Lembro-me. Da cozinha negra de
carvão, as vasilhas de cobre, o poço? Também. Dos macacos zangados a arrancar
telhas, da chuva forte, dir-se-ia eterna, do cheiro da terra. E do rio ao fim
do dia? Sim. Divertimo-nos como loucas. Pois foi. Quem diria este tempo
desapiedado que estamos a viver agora.
O vendedor
de açafrão tem duas filhas esguias como juncos, os cabelos presos numa trança.
Um dia rolou um grão de mostarda pelo colo de uma e um grão de pimenta pelo
colo da outra. O pai zangado ordenou-lhes, procurem os grãos perdidos, pois um
não é nada sem o outro e é com eles que eu encho os sacos para levar ao mercado
e compro o arroz que cozinhamos à ceia.
As filhas,
esguias como juncos e sensíveis como asas de borboleta, desfizeram as tranças e
soltaram os cabelos e as lágrimas e estas eram grãos de água transparente.
Procuraram debaixo da mesa, nas gavetas, nas traves do teto, na rua, no
mercado, no templo, entre a areia da praia. E as filhas esguias como juncos,
sensíveis como asas de borboleta, frágeis como a lua nova, cansadas,
adormeceram.
Desço atrás dela e apanhamos jarros, margaridas e uma braçada
de hortelã. Na cidade as flores estão-lhe distantes e há pouco ar em redor das
casas.
Os jarros não gostam que se lhes corte o pé. Vingam-se,
largando um líquido castanho que põe nódoas na roupa. Assim nunca mais nos
esquecemos.
Foi então
que dos sonhos das filhas do vendedor de açafrão surgiu uma ave rara e abriu a
sua enorme cauda, estendeu o bico e largou na almofada do pai dois grãos, um de
mostarda e outro de pimenta. Depois pegou
nas raparigas esguias como juncos e levou-as para um reino distante.
Sempre bravo, bravíssimo!
JLF