Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Conheci-o entre as páginas cento e doze e cento e treze de um livro de viagens. Gosto de viajar, disse ele. E pousando a bicicleta sentou-se entre o terceiro e o quarto parágrafo. Tinha apenas um centímetro de altura e o sorriso mais aberto que eu alguma vez vira. Lembro-me de gaguejar qualquer coisa como, estás aqui, quem és tu, não estava à espera. Ele olhou-me pelo canto do olho e continuou a falar do quanto gostava de se levantar cedo, pegar na bicicleta e ir por aí a pedalar até ao mar, atravessar os pinhais, os campos, parar à sombra das árvores, descobrir as cidades. De vez em quando metia-se num livro e consultava os mapas, via as fotografias e sonhava sempre ir mais além. Fora num desses momentos que me encontrara e dizendo isto, levantou-se de um salto, sacudiu as letras dos calções, pegou na bicicleta e desapareceu pela janela aberta, um rapaz pequenino numa bicicleta azul.
Conheci-o entre as páginas cento e doze e cento e treze de um livro de viagens. Gosto de viajar, disse ele. E pousando a bicicleta sentou-se entre o terceiro e o quarto parágrafo. Tinha apenas um centímetro de altura e o sorriso mais aberto que eu alguma vez vira. Lembro-me de gaguejar qualquer coisa como, estás aqui, quem és tu, não estava à espera. Ele olhou-me pelo canto do olho e continuou a falar do quanto gostava de se levantar cedo, pegar na bicicleta e ir por aí a pedalar até ao mar, atravessar os pinhais, os campos, parar à sombra das árvores, descobrir as cidades. De vez em quando metia-se num livro e consultava os mapas, via as fotografias e sonhava sempre ir mais além. Fora num desses momentos que me encontrara e dizendo isto, levantou-se de um salto, sacudiu as letras dos calções, pegou na bicicleta e desapareceu pela janela aberta, um rapaz pequenino numa bicicleta azul.
Nesse instante desejei ter inspiração para escrever um
conto grande sobre um rapaz pequenino, uma viagem e uma bicicleta azul.
Caracterizá-lo, uma voz de pássaro, a ligeireza de um esquilo, o cabelo liso e
comprido a voar quando acelerava, os calções sujos de óleo, a camisola às
riscas, os ténis pretos e a magia de estar hoje aqui e amanhã ali, sem dar
contas a ninguém. Sei qual é a sua casa, onde ele regressa com saudades do pai,
do cão e das vinhas em setembro e os cachos maduros a cheirar a mosto. No
entanto este é um conto pequenino sobre um rapaz grande.
Da segunda vez que o vi tinha crescido seis centímetros e
pedalava na asa de um avião em direção a leste, disse-lhe adeus, ele riu-se e a
rota do avião desviou-se um pouco. Inexplicavelmente a bicicleta cresce com
ele, não o larga, é-lhe fiel. E o rapaz guarda no seu livro secreto e invisível
todas as impressões das suas viagens, a luz, o movimento, o som, o cheiro.
Há noites em que eu me fixo neste visor branco e vazio e
estou certa que não tenho mais a acrescentar, que já imaginei tudo o que era
passível de ser imaginado. Peixe, ave, leão, tigre, pescador, bailarina, menina
escanzelada, menino triste, princesa, pelicano, cavalo-marinho, homem louco,
bruxa, gafanhoto, rã, lago, árvore, flor, rio, montanha, aldeia, cidade, rei,
deus e o diabo.
E é aí que ele regressa, o rapaz da bicicleta azul.
Senta-se na estante ao lado do candeeiro, as pernas penduradas, os pés a
balançar, o cabelo liso a refletir sombras de anjos. Tira do bolso dois mapas,
um dos planetas e o outro dos oceanos e numa voz tranquila e noturna pergunta,
queres saber o que eu tenho para te contar?