Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Era
uma vez um homem que possuía um pássaro raro pintado num tecido de seda pura.
Todas
as manhãs desenrolava o pano e pendurava-o na janela mais larga, mais alta,
virada para o rio, para que o pássaro sentisse o sol e ouvisse o canto dos outros
pássaros. Depois pegava no arado e no búfalo, chamava o cão e saía para os
campos onde trabalhava todo o dia na companhia das cerejeiras e dos arrozais.
Quando
os rins lhe começavam a doer endireitava-se, colocava a mão esquerda na coxa
esquerda e a direita exatamente no lado contrário. Com os braços ligeiramente
dobrados inclinava a cabeça para trás e contemplava o céu do entardecer. A
seguir despia as roupas que trazia e entrava nu nas águas do rio, o cão
seguia-o ladrando de alegria e o homem atirava-lhe pequenos seixos e nadavam os
dois até que um deles tiritasse de frio. O homem apanhava dois peixes e
regressava a casa. Recolhia então o pássaro pintado e colocava-o sobre um
biombo de madeira.
Acendia
o lume, cozinhava os peixes e comia-os com uma tigela de arroz e antes de se
deitar ajoelhava-se diante do altar dos seus deuses e agradecia-lhes a casa, o
arado, o búfalo, o cão, as cerejeiras, o rio, os peixes, o arroz e o tecido de
seda pura.
Por
fim chamava: Tsuru! e o pássaro destacava-se do pano, abria e fechava três
vezes o seu longo bico, esticava as asas e voava pela casa fazendo vacilar a
chama da lareira. O cão enroscava-se aos pés da cama e adormeciam tranquilos, o
homem e o cão.
Então
o pássaro penetrava nos sonhos do homem e levava-o nas suas asas até às
montanhas mais altas, às florestas de tílias, aos países das noites eternas
onde o sol coabita com a lua e às ilhas que flutuam desprendidas,
desinteressadas da terra e que nunca permanecem no mesmo oceano.
Regressavam
pela madrugada. O pássaro pousava o homem na sua cama e entrava no pano de seda
como se fosse esse o seu lugar.
Os
vizinhos sussurravam, pobre este homem trabalha de sol a sol divide dois peixes
entre si e o cão, a tigela de arroz que lhe dá a força e o búfalo que come as
ervas e os botões de rosa tenros, mas tem nos olhos o brilho dos cristais.
Olhavam o tecido e o pássaro nas manhãs de sol, ouviam o agitar das asas na
madrugada.
O
homem sabia que se interrogavam e na incerteza da bondade humana calava-se e a
haver segredo dos cristais no seu olhar foi juntando todos os meses uma moeda
de prata e quando já tinha trezentas e vinte cinco, com elas comprou outros
tantos panos de seda, dobrou-os em quatro num cesto de vime e preparou-se para
viajar.
Tsuru
era o nome do pássaro.
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. possuir um pássaro é ter ao alcance um momento alto . da altura de um voo . como este . pintado no mais belo tecido . de seda . tão pura quanto selvagem .
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. gosto de pássaros . gosto da manuela . muito .
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Continua na atmosfera Li-Bai, pequenos contos da Dinastia Tang, no tempo da Era do Vazio :-)
Os parabéns, obviamente, são excusados