domingo, 9 de dezembro de 2012

tsuru

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas


Era uma vez um homem que possuía um pássaro raro pintado num tecido de seda pura.
Todas as manhãs desenrolava o pano e pendurava-o na janela mais larga, mais alta, virada para o rio, para que o pássaro sentisse o sol e ouvisse o canto dos outros pássaros. Depois pegava no arado e no búfalo, chamava o cão e saía para os campos onde trabalhava todo o dia na companhia das cerejeiras e dos arrozais.
Quando os rins lhe começavam a doer endireitava-se, colocava a mão esquerda na coxa esquerda e a direita exatamente no lado contrário. Com os braços ligeiramente dobrados inclinava a cabeça para trás e contemplava o céu do entardecer. A seguir despia as roupas que trazia e entrava nu nas águas do rio, o cão seguia-o ladrando de alegria e o homem atirava-lhe pequenos seixos e nadavam os dois até que um deles tiritasse de frio. O homem apanhava dois peixes e regressava a casa. Recolhia então o pássaro pintado e colocava-o sobre um biombo de madeira.
Acendia o lume, cozinhava os peixes e comia-os com uma tigela de arroz e antes de se deitar ajoelhava-se diante do altar dos seus deuses e agradecia-lhes a casa, o arado, o búfalo, o cão, as cerejeiras, o rio, os peixes, o arroz e o tecido de seda pura.
Por fim chamava: Tsuru! e o pássaro destacava-se do pano, abria e fechava três vezes o seu longo bico, esticava as asas e voava pela casa fazendo vacilar a chama da lareira. O cão enroscava-se aos pés da cama e adormeciam tranquilos, o homem e o cão.
Então o pássaro penetrava nos sonhos do homem e levava-o nas suas asas até às montanhas mais altas, às florestas de tílias, aos países das noites eternas onde o sol coabita com a lua e às ilhas que flutuam desprendidas, desinteressadas da terra e que nunca permanecem no mesmo oceano.
Regressavam pela madrugada. O pássaro pousava o homem na sua cama e entrava no pano de seda como se fosse esse o seu lugar. 
Os vizinhos sussurravam, pobre este homem trabalha de sol a sol divide dois peixes entre si e o cão, a tigela de arroz que lhe dá a força e o búfalo que come as ervas e os botões de rosa tenros, mas tem nos olhos o brilho dos cristais. Olhavam o tecido e o pássaro nas manhãs de sol, ouviam o agitar das asas na madrugada.
O homem sabia que se interrogavam e na incerteza da bondade humana calava-se e a haver segredo dos cristais no seu olhar foi juntando todos os meses uma moeda de prata e quando já tinha trezentas e vinte cinco, com elas comprou outros tantos panos de seda, dobrou-os em quatro num cesto de vime e preparou-se para viajar.
Tsuru era o nome do pássaro.

3 Responses so far.

  1. .

    .

    . possuir um pássaro é ter ao alcance um momento alto . da altura de um voo . como este . pintado no mais belo tecido . de seda . tão pura quanto selvagem .

    .

    . gosto de pássaros . gosto da manuela . muito .

    .

    .

  2. Continua na atmosfera Li-Bai, pequenos contos da Dinastia Tang, no tempo da Era do Vazio :-)

  3. Os parabéns, obviamente, são excusados

 
 

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