Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
É o meu coração que vai por ali assustado. E colocou a
noz-moscada no parapeito da janela no exato ponto onde há muito tempo tinha
desenhado um círculo. Fez uma pausa, contou até três e de repente largou a
janela de guilhotina. De um só golpe desfez-se em pó. Um cheiro a almíscar
espalhou-se pela sala. Os vidros aguentaram.
Um dia trocara o coração por uma noz, mais dura, mais
fria, distanciada. Quando saltava, ouvia-se clac, clac, clac e ficava com
soluços. Se era preciso temperar o caril, bastava sentir a ausência de coração
na boca e ranger os dentes. Quem se rala deixa sempre cair alguma coisa.
Lá fora a moscadeira crescia e a chuva começou a
engrossar. Entre a berma e a estrada formaram-se regos de água arrastando
folhas, insetos, sementes e um ou outro peixe mais pequeno. Assim como veio,
parou. Os sapos encheram-se de ar e alguns subiram até à copa das árvores
confundindo-se o canto dos pássaros e o coaxar das rãs. Outrora sentiria um
arrepio de prazer pelo céu a descobrir azuis e verdes, pela paz depois da
tempestade, mas a noz não sentia nada. Pensou então engoli-la inteira com meio
copo de sumo de laranja e depois esperar a alucinação dos olhos e dos ouvidos,
os braços e as pernas a tremer e perguntarem-lhe, o que foi? e ela não saber, o
que foi? não sei quem sou.
Levei o coração ao cais e passei os dedos pelos bordos de
uma cicatriz. Veio uma semente engoliu-o.
O esquecimento é um ato premeditado, esquecemo-nos de
abrir a boca porque não queremos falar, de sair do comboio quando desejamos
continuar viagem. Ela esqueceu-se do que tinha dentro do peito, mas o coração
lembrou-se do caminho de volta. Seduziu a semente e a folha, vagamundeou numa
ausência de exclamações e interrogações, abominou as reticências, entrou pela
janela de guilhotina. O círculo fechou-se.
Nessa noite os elefantes aprenderam o caminho do mar e
vieram tomar banho à praia.
.
.
. é uma dádiva de todos os deuses . a presença da [nossa] manuela baPtista . aqui . todos os domingos .
.
. não há palavras suficientes para Lhe agradecer . não há . nem pode haver .
.
.
Felizmente, há beleza :-)