Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Hoshi
abriu a túnica, retirou do peito o tecido dobrado em quatro, pegou em duas
pontas e soltou-o. O pássaro pintado era tão real e tão belo que o velho Haru
deu um grito de espanto. Nunca tal vira e sabia de antemão que não seria capaz
de reproduzir uma ave assim e se isso viesse a acontecer correria o risco de
replicar o irreplicável, de tocar o intocável, de agitar o que jamais deveria
ser agitado.
Mas
os olhos de Hoshi brilhavam de alegria e tão simplesmente lhe contava dos
trezentos e vinte cinco panos guardados no cesto de vime e das moedas que
juntara para os comprar e de como seria bom se todos os habitantes da sua
aldeia tivessem um pássaro raro a ondear nas janelas, que Haru, o pintor a quem
os deuses bafejaram as mãos com um dom inigualável, calava-se e calando
consentia num sonho mais alto que as montanhas geladas a norte da sua casa.
Hoshi
era jovem, impulsivo, corajoso e generoso. Haru era velho, bondoso e talentoso
e no pátio brotou um segundo rebento de cerejeira e ele ousou dizer sentindo o
coração descompassado: temos sete dias para transformar os teus panos e outras
tantas noites para soltar os teus pássaros. Aprenderás tu a pintá-los, porque se
as tuas mãos calejadas fazem crescer os arrozais e penetrar na terra o arado,
também se transformam em veludo quando acaricias a cabeça do teu cão.
No
primeiro dia madrugaram e atravessaram as florestas de tílias, a ponte sobre o
rio gelado. Colhiam pedaços pequenos dos ramos mais frágeis e com um canivete
afiado faziam os cabos dos pincéis, as cerdas de marta. Pediram conselho aos
monges que conheciam os segredos dos corantes naturais e da textura das sedas e
aprenderam a esticar os panos em esquadrias de madeira. Ao entardecer eram
quatro as crianças que os seguiam e quando o sol se escondeu no horizonte,
entraram no pátio doze rapazes e dez raparigas ansiosos por aprender a arte dos
tecidos.
Nessa
noite ficaram mais leves os sacos de arroz na despensa de Haru na proporção
inversa ao ânimo que sentia.
Ao
segundo dos dias o galo cantou e nas cozinhas as avós fritaram bolinhas de
carne e de arroz e prepararam taças de chá verde e sopa de Miso.
O
açafrão, a terra, o barro, as ervas esmagadas, a gema dos ovos. E os tecidos
resplandeciam.
No
terceiro, quarto, quinto e sexto dia eram tantas as crianças sentadas em
silêncio junto ao pátio de Haru que este se assustava perguntando como é que eu
aqui cheguei e eles comigo?
Todas
as noites Tsuru o pássaro, largava o tecido que habitava e voava sobre as
cabeças adormecidas. Fazia rir as crianças nos seus sonhos, desinquietava os
jovens, soprava telas e tintas nos cabelos brancos de Haru e transportava Hoshi
nas suas asas até ao reino dos peixes e das baleias brancas onde ele nadava nu
como só ele sabia.
Na
tarde do sétimo dia caiu a flor da cerejeira e todos os panos de seda secavam
ao sol, mas em nenhum deles se via um pássaro de longo bico como Tsuru. Uma
criança reconhecendo o tecido que pintara, gritou, essa é a minha mãe! e todas
as outras, a casa do meu avô, a escola, o rio, a ponte, o céu, o cume da
montanha.
Não
se desiludiram nem entristeceram os dois homens e Hoshi disse, é tempo de eu
partir. Esperam-me os arrozais, o búfalo, o arado, a minha casa, a minha aldeia
e os meus amigos e a cada um darei um tecido de seda pura.
É
tempo de eu ficar, disse Haru, retomar a ciência das minhas mãos e manter
aberta a porta da minha casa. Não me esqueças.
Não
te esquecerei, respondeu Hoshi e dobrou os tecidos magnificamente pintados e
tingidos e voltou a guardá-los no cesto de vime. Depois chamou o cão, abraçou
Haru e colocou junto do coração o pássaro de seda.
Gélida
era a noite mas nos olhos do homem liam-se as estrelas.
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. são destes contos que espero encontrar sempre disponíveis numa prateleira de qualquer livraria . que preze o dom . e o tom .
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No velho Palácio, o Imperador contemplava as derradeiras nuvens do inverno, quando, já ao longe, a primavera soava.
Mas que primavera seria, naquela dinastia que tantas já contara?...