domingo, 20 de janeiro de 2013

um pouco mais claro apenas

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas



Do outro lado da cidade morava um rapaz sozinho. Como a cidade era redonda ninguém sabia exatamente onde morava o rapaz.
Todos os dias atravessava a ponte, a estrada, o jardim, a rua ensolarada. Abria as portas do café onde trabalhava, enfiava pela cabeça um avental preto com um arranha-céus ao peito e sentia as pernas leves e a cabeça no lugar e na cozinha batia farinha, ovos, açúcar e chocolate, uma noz de manteiga. Depois a massa do bolo crescia em grandes tabuleiros e do forno fugia um cheiro bom que acordava nas pessoas uma vontade de beber três chávenas de café e entrelaçar cinco dedos de conversa. Apressava-se de mesa em mesa e os guardanapos de papel eram verdes alface que ia bem com o castanho chocolate e as chávenas pretas café e de cada cliente sabia o nome próprio, que é aquele nome que umas vezes vai bem connosco e a maior parte das outras, não.
Às oito horas em ponto ela atravessava a praça e a calçada ziguezagueava, as pedras assentes irregularmente sabiam da regularidade do andamento acelerado, uniforme era a cor do céu e os pássaros cantavam. O coração do rapaz batia mais forte e o equilíbrio entre o tabuleiro e as chávenas, perigosamente instável. Ela, não via nada. A saia esvoaçava, o cabelo de fogo a arder ao sol da manhã, as leggings pretas e pretos os sapatos e o casaco tal e qual o café. A rapariga da bicicleta azul atravessava a praça e o tempo parava.
No peitilho do avental o arranha-céus inclinava-se para a direita e na curva apertada virava à esquerda e metia água. As pessoas perguntavam, o que foi?
O rapaz entrelaçava cinco dedos de esperança e respondia, não foi nada.
Mas numa manhã azul ela travou, encostou a bicicleta a uma cadeira da esplanada e pediu, por favor quero um pão de sementes de sésamo com geleia e um sumo de maçã.
O rapaz sentiu a cabeça fora do lugar, respondeu, faça o favor de se sentar e correu para a cozinha, tremeu, chorou, deitou chocolate pelos olhos, pesou o fermento e a farinha, um pouco de água e sal, amassou, gritou, abre-te sésamo! e no forno o pão cresceu e estalou.
Na praça não existia mais ninguém, apenas o rapaz, a rapariga a trincar pão fresco e reineta era a maçã. Ele disse, com licença, tenho vinte anos e sentou-se ao pé dela. O arranha-céus aguentou firme. Eu também não tenho tempo para pessoas cinzentas, respondeu a rapariga e deram uma gargalhada. Os guardanapos verdes levantaram voo, abriram-se, fecharam-se, pousaram feitos folha nos ramos das árvores e pela calçada.
A rapariga da bicicleta azul morava no centro da cidade e tudo ia bem com ela.
  
 
 

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