Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Do outro lado da cidade morava um rapaz sozinho. Como a
cidade era redonda ninguém sabia exatamente onde morava o rapaz.
Todos os dias atravessava a ponte, a estrada, o jardim, a
rua ensolarada. Abria as portas do café onde trabalhava, enfiava pela cabeça um
avental preto com um arranha-céus ao peito e sentia as pernas leves e a cabeça
no lugar e na cozinha batia farinha, ovos, açúcar e chocolate, uma noz de
manteiga. Depois a massa do bolo crescia em grandes tabuleiros e do forno fugia
um cheiro bom que acordava nas pessoas uma vontade de beber três chávenas de
café e entrelaçar cinco dedos de conversa. Apressava-se de mesa em mesa e os
guardanapos de papel eram verdes alface que ia bem com o castanho chocolate e
as chávenas pretas café e de cada cliente sabia o nome próprio, que é aquele
nome que umas vezes vai bem connosco e a maior parte das outras, não.
Às oito horas em ponto ela atravessava a praça e a
calçada ziguezagueava, as pedras assentes irregularmente sabiam da regularidade
do andamento acelerado, uniforme era a cor do céu e os pássaros cantavam. O
coração do rapaz batia mais forte e o equilíbrio entre o tabuleiro e as
chávenas, perigosamente instável. Ela, não via nada. A saia esvoaçava, o cabelo
de fogo a arder ao sol da manhã, as leggings pretas e pretos os sapatos e o
casaco tal e qual o café. A rapariga da bicicleta azul atravessava a praça e o
tempo parava.
No peitilho do avental o arranha-céus inclinava-se para a
direita e na curva apertada virava à esquerda e metia água. As pessoas
perguntavam, o que foi?
O rapaz entrelaçava cinco dedos de esperança e respondia,
não foi nada.
Mas numa manhã azul ela travou, encostou a bicicleta a
uma cadeira da esplanada e pediu, por favor quero um pão de sementes de sésamo
com geleia e um sumo de maçã.
O rapaz sentiu a cabeça fora do lugar, respondeu, faça o
favor de se sentar e correu para a cozinha, tremeu, chorou, deitou chocolate
pelos olhos, pesou o fermento e a farinha, um pouco de água e sal, amassou, gritou,
abre-te sésamo! e no forno o pão cresceu e estalou.
Na praça não existia mais ninguém, apenas o rapaz, a
rapariga a trincar pão fresco e reineta era a maçã. Ele disse, com licença,
tenho vinte anos e sentou-se ao pé dela. O arranha-céus aguentou firme. Eu
também não tenho tempo para pessoas cinzentas, respondeu a rapariga e deram uma
gargalhada. Os guardanapos verdes levantaram voo, abriram-se, fecharam-se, pousaram
feitos folha nos ramos das árvores e pela calçada.
A rapariga da bicicleta azul morava no centro da cidade e
tudo ia bem com ela.
Mais um ENORME Manuela BapTista :-)
:-*