domingo, 10 de março de 2013

flores da ameixoeira

Nesse dia posou uma ave no mastro mais alto da embarcação, aquele que suportava a vela branca, a do meio, entre a vela cor de salmão e a da cor da areia fina.
Trazia no bico um ramo tenro impercetíveis os rebentos e as folhas delicadas.
E ficou ali calada enquanto as marés obedeceram às luas e os peixes trouxeram espadas, escamas brilhantes, lisas, prateadas e as gaivotas guincharam a ousadia da outra, frágil, leve, habitante da terra desconhecedora de correntes quentes ou frias.
O homem que amava o barco como se fosse a sua casa, a cama, a janela e a mesa da cozinha, olhou a ave, a nuca colada aos ombros, a mão direita sobre os olhos porque o sol ardia e estendeu o braço esquerdo e disse-lhe, se tens sede desce até aqui, se é fome o que sentes, reparto contigo os grãos que guardo no porão, centeio, milho, trigo-sarraceno. Ele dizia sempre, trigo- sarraceno, gostava da palavra, da ideia da palavra. Sabia que não era um grão mas a semente de um fruto, triangular, como o sinal da cruz.
E continuou, os olhos postos na ave, os olhos da ave postos no homem,
eu às vezes também fico assim suspenso como tu, com um objetivo preciso e sem que os outros entendam qual é ou imaginem sequer o que possa ser. Há muita forma de estar calado tendo tanto para dizer e eu tenho mais anos do que este meu barco e no instante em que percebi que a velhice é um sobejo da vida e reservada está apenas uma cadeira, sempre a mesma, para quem é velho e triste, fiz-me ao largo e jamais me arrependi.
Porque encantatória é a voz de um homem bom, a ave cedeu. Deixou o mastro, completou três voltas à roda do barco e o homem rodou com ela e disse, princesa! Ela cerrou as patas e as unhas e equilibrou-se no seu ombro, o ramo bem preso no bico anilado.
Ele lançou uma rede e pescou alguns peixes, dividiu-os entre si e as gaivotas enciumadas. Varreu e lavou o convés, estudou os mapas e as rotas e por fim descansou. No horizonte, vénus a estrela da manhã que é também a estrela da tarde e a ave ao ombro.
Então ela largou o ramo tenro impercetíveis os rebentos e as folhas delicadas. Ele colocou-o num copo com água fresca e ambas beberam, a ave e a planta e esta cobriu-se de pequenas flores brancas.
O homem sentiu saudades do cheiro dos pátios de uma cidade e disse,
amanhã procuro-te terra firme nesse lugar do sul onde dormem as princesas, mouras, sarracenas, presos os cabelos com ramos tenros e flores de ameixoeira.
Junto da quilha seguiam agora dois golfinhos e um cardume de peixes lua e anilado o bico da ave e esta piou.

One Response so far.

  1. Mais uma lufada de ar fresco, na nossa interminável cruzada pela Beleza e liberdade de expressão e criatividade :-)

 
 

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