Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Tinha
três gansos. Um era grande, gordo, corajoso, um pouco agressivo, sempre pronto
a morder. Guardava-lhe a casa e grasnava quando avistava algum estranho perto
da cerca do quintal.
O
segundo era manso, dócil, nadava e mergulhava no rio e ali ficava o dia todo
até o homem o chamar. O terceiro era belo, brilhante, o peito e o dorso branco,
as asas acinzentadas, o bico da cor das laranjas amargas, aquelas com as quais
fazemos o doce para as torradas que mais tarde comeremos barradas com muita
manteiga enquanto bebemos litros de chá. Gostava de vadiar e de voar mais alto
do que as andorinhas dos beirais.
Os
três possuíam uma característica comum: quanto mais penas se soltavam, mais
penas lhes cresciam.
Malaquias
amava os seus gansos e a sua casa térrea à beira da água. Era ela, a casa, o
rio e os campos, que continham o crescimento desordenado das cidades e das
ervas daninhas.
Malaquias
tinha aprendido com o pai e este com o seu avô, que por sua vez aprendera com o
seu próprio pai, até à vigésima sétima geração, a arte de fazer almofadas. De
dormir. Das pequeninas, para os meninos acabados de nascer, espessura quase
nenhuma, uma pena apenas do ganso mais manso. Das grandes, bem altas e cheias
de lã, três penas do ganso gordo, sempre pronto a morder. Das médias, para
ganhar coragem, das ousadas, para voar mais alto, sete penas do ganso branco.
Forrava-as
de tecido do mais fino algodão e bordava-as a ponto cruz. No início troçaram
dele, ridicularizaram-no por gostar deste trabalho, que afirmaram ser feminino,
mas ele ria-se, encolhia os ombros e abanava os seus cabelos rebeldes que nunca
conseguia pentear.
E
as pessoas esqueceram e aceitaram e começaram a contar-lhe histórias, desejos,
sonhos e a pedirem que os bordasse nas fronhas das almofadas e Malaquias
bordava como outros escreviam. Também havia quem nada desejasse e a almofada
era branca e vazia. Era no equilíbrio entre penas e sonhos que Malaquias
gostava de viver.
Todas
as noites, chamava os seus gansos, acariciava-lhes o dorso e dava-lhes milho,
verduras e água fresca e penteava-os com doçura. Depois sentava-se na soleira
da porta e escutava o canto último dos pássaros quando o ar cheira a inverno e
a trovoadas secas.
E
Malaquias adormecia.
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. sinto.me tão malaquias nos dias que passam .
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Belíssimo :-)
Sempre a beleza dos domingos :-)
Vai mudar o traço para um mundo novo :-)