domingo, 27 de outubro de 2013

malaquias

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas

Tinha três gansos. Um era grande, gordo, corajoso, um pouco agressivo, sempre pronto a morder. Guardava-lhe a casa e grasnava quando avistava algum estranho perto da cerca do quintal.
O segundo era manso, dócil, nadava e mergulhava no rio e ali ficava o dia todo até o homem o chamar. O terceiro era belo, brilhante, o peito e o dorso branco, as asas acinzentadas, o bico da cor das laranjas amargas, aquelas com as quais fazemos o doce para as torradas que mais tarde comeremos barradas com muita manteiga enquanto bebemos litros de chá. Gostava de vadiar e de voar mais alto do que as andorinhas dos beirais.
Os três possuíam uma característica comum: quanto mais penas se soltavam, mais penas lhes cresciam.
Malaquias amava os seus gansos e a sua casa térrea à beira da água. Era ela, a casa, o rio e os campos, que continham o crescimento desordenado das cidades e das ervas daninhas.
Malaquias tinha aprendido com o pai e este com o seu avô, que por sua vez aprendera com o seu próprio pai, até à vigésima sétima geração, a arte de fazer almofadas. De dormir. Das pequeninas, para os meninos acabados de nascer, espessura quase nenhuma, uma pena apenas do ganso mais manso. Das grandes, bem altas e cheias de lã, três penas do ganso gordo, sempre pronto a morder. Das médias, para ganhar coragem, das ousadas, para voar mais alto, sete penas do ganso branco.
Forrava-as de tecido do mais fino algodão e bordava-as a ponto cruz. No início troçaram dele, ridicularizaram-no por gostar deste trabalho, que afirmaram ser feminino, mas ele ria-se, encolhia os ombros e abanava os seus cabelos rebeldes que nunca conseguia pentear.
E as pessoas esqueceram e aceitaram e começaram a contar-lhe histórias, desejos, sonhos e a pedirem que os bordasse nas fronhas das almofadas e Malaquias bordava como outros escreviam. Também havia quem nada desejasse e a almofada era branca e vazia. Era no equilíbrio entre penas e sonhos que Malaquias gostava de viver. 
Todas as noites, chamava os seus gansos, acariciava-lhes o dorso e dava-lhes milho, verduras e água fresca e penteava-os com doçura. Depois sentava-se na soleira da porta e escutava o canto último dos pássaros quando o ar cheira a inverno e a trovoadas secas.
E Malaquias adormecia.
 
 

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