domingo, 3 de julho de 2016

as ilhas

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
a primeira ilha


Tenho uma marca azul no lóbulo da orelha esquerda. Não nasceu comigo, surgiu no instante em que comecei a recordar. Não me lembro de ter três anos de idade ou do número de degraus que conduzia a casa da minha avó. O meu avô fumava cachimbo e fazia licores de folha de figueira, de hortelã-pimenta e de café. Eu não gosto de licores e um dia disse-lhe, quero um piano. E é esse o primeiro objeto de desejo que me lembro desejar. Não se concretizou.
Depois, há outras ilhas. Dizem-nas oceânicas, superfícies emersas das montanhas que habitam o fundo do mar. Imaginemos uma ausência de água salgada e o que seria a privação de ilhas, mas esta é apenas uma enganosa teoria, uma efabulação perversa de quem gosta de ser marcado.
A primeira das ilhas tem a configuração de um peixe e possui dois faróis, um em cada extremidade. A oeste, faz-nos acreditar na eternidade da vida. A oriente, reconhece-nos o direito à brevidade das coisas. A sua luz é igualmente brilhante, insinuante, verdadeira. O peixe ilha agita as barbatanas dorsais e empurra a escuridão para um lugar desabitado.


A segunda ilha é um golfinho de quatro caudas que produz um som inaudível para os peixes, mas percetível para a maioria dos homens-lua. Estes aprendem a linguagem das notas musicais, das pausas, dos acordes, das tonalidades dominantes, o preto e o branco das teclas. As cordas horizontalizam-se ou não. Lado a lado uma ilhota mais pequena, habitada pelos espíritos da música que pacificam as dúvidas, as interrogações e aquilo que não podemos dominar.


A ilha baleia é a terceira. É sólida e simultaneamente ágil, navega à velocidade do vento, mergulha nos recifes de coral, regressa à superfície envolta em algas e estrelas, rodopia no ar, espaneja água e energia para logo se aquietar naquele canto que se diz de baleia, ritmado e quase humano. Viaja com ela o peixe-espada que a defende e protege e a faz rir.
As palavras são como as pessoas, têm faces. Umas para significarem aquilo que queremos dizer, outras porque têm significado para nós. Uma noite encontram-se. E são muitas vozes e um piano e um silêncio de ilhas.
 
 

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