Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Quando
entrou a carruagem estava vazia e imaginou-se à janela com o livro sobre os joelhos
e a terminar sossegadamente o segundo capítulo. Faltavam-lhe apenas trinta páginas,
mas nos últimos dias andava disperso, distraído e de cada uma das vezes que
iniciava a leitura de uma página, o personagem saltava cá para fora e
sentava-se a seu lado. Era um homem jovem, alto, cabelo castanho claro, um fato
de corte moderno a cheirar ligeiramente a papel. Este facto não o surpreendia
nada, porque o livro era novo, mas o homem ficava ali, parado, calado, o olhar
preso à linha do horizonte ou do sofá, ou da mesa do café e à medida que lia, o
fio da história quebrava-se, a trama não fazia sentido, obrigando-o a parar e a
recomeçar, uma e outra vez até desistir.
Não
se podia dizer que o personagem fosse estranho, talvez solitário, intrigante.
Habitava o andar mais alto de um prédio antigo de uma cidade à beira de um rio,
quase estuário. Poderia ser Lisboa, mas não era, estava certo disso, porque à
tardinha as árvores enchiam-se de pássaros de uma cor verde-mar, com o bico
comprido amarelo laranja. O tom verde-mar, como todos sabem, é aquele que
teriam os submersos rochedos oceânicos, caso os pudéssemos observar sobrevoando
os mares.
Mas
isso agora não vem ao caso, aliás não há mesmo caso nenhum, existe um homem que
não sai de casa, olha a cidade que não é Lisboa, gosta de comer iogurtes gregos
sem açúcar, encostado à varanda que os pássaros se encarregam de sujar
independentemente da cor.
Nas
primeiras quinze páginas pragueja com a caca dos pássaros, come iogurtes e
ouve continuamente a mesma música, um concerto para violoncelo de Schumann.
Mas
hoje tudo parecia correr bem. Escolheu o tal lugar perto da janela, colocou a
pasta no chão, entalada entre os pés e suspirou de prazer. Não saberia dizer
porque é que não guardava a pasta no lugar das malas sobre a sua cabeça em vez
de a colocar no chão, mas sentia-se seguro ao fazê-lo e podia divagar e
dormitar sem receio que alguém lha roubasse.
Começou
a ler. E entrou novamente na vida daquele homem, nas divisões da casa, nas
estantes dos livros, nos quadros pendurados nas paredes, nas fotografias
espalhadas pelos móveis. Definiu a cor dos tapetes, a textura das toalhas, o
perfume das flores na jarra da sala. Cada objeto e a sua possível história. Não
chegou a abrir os roupeiros. Quando virou a página, o cheiro a papel acabado de
imprimir era o sinal de que o homem estava ali, sentado ao seu lado.
-Para
dizer a verdade até estava à sua espera – disse.
-Claro,
como é que eu apareceria se não me chamasse… – respondeu o homem.
Afinal
fala -pensou, mas não disse nada desejando que o outro continuasse.
O
homem endireitou ligeiramente a gola da camisa, passou a mão pelo vinco das
calças e ouviu-se um rrrrsssss que não é ninguém a rir em linguagem abreviada,
mas o som do papel a ser pressionado.
O
homem habitante do livro e o homem leitor do livro olharam-se e viram-se ao
espelho.
O
comboio continuou a rodar, sem paragens nem cais de chegada, as partidas
desordenadas, os horários incumpridos, o sol estável na linha do horizonte onde
voavam pássaros, penas de um tom verde-mar, bico amarelo alaranjado.
Dentro
do livro, o ferro forjado da varanda dilatou dois centímetros quadrados e a
tinta anti-ferrugem estalou. Era
o princípio da viagem.
Nela Baptista , continua solidário de um criminoso. Só para poder aparecer com seus gatafunhos coloridos e suas prosas sem sal que só sensíveis falhados curtem ler
Bosta de posts!
LOL