domingo, 4 de fevereiro de 2018

Cacau

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas


A loja do senhor Artur tinha muitos armários e prateleiras. Eu gostava de lá ir fazer recados à minha mãe, dois carrinhos de linha âncora, uma agulha fininha de remendar, um quilo de açúcar, duas latas de atum Tenório. Se sobravam uns trocos, comprava um berlinde ou dois dos mais brilhantes que o senhor Artur guardava em frascos grandes de vidro do lado esquerdo do balcão. Eu afundava a mão naquele mar de vidro em busca dos azuis de todos os tons, que me dariam sorte, que me fariam abafar os adversários.

Diziam que era um homem abastado, com a loja, as filhas, a mulher e a criada, frascos repletos de berlindes, caixas de lápis 2B e uma escada de pedra com um corrimão de ferro forjado que dava acesso ao alpendre do andar de cima, onde ele morava com as filhas, a mulher e a criada.

Eu era um rapaz pequenino, umas vezes tímido, outras não. Uma manhã, antes do almoço, fomos brincar para ali, eu e uns quantos da primeira classe, a saltar os degraus dois a dois e num desafio, enfiámos as cabeças nas grades da escada exatamente no espaço em que o ferro forjado formava um losango e ríamos muito a macaquear tontices. De repente senti um frio no estômago, tentei tirar a cabeça das grades e não consegui. Senti-a enorme, as orelhas apertadas naquele losango e entrei em pânico. Os outros rapazes não tiveram dificuldade em libertarem-se e gozavam-me perdidamente. Eu gritava e via o meu futuro estranho, a cabeça agarrada a um corrimão e nunca mais um berlinde sequer e a minha mãe a castigar-me por ser cabeçudo e pateta.

Foi então que ela apareceu. Tinha um vestido azul berlinde e um avental branco, o cabelo castanho preso numa trança que lhe chegava a meio das costas, uns olhos meigos e numa voz calma enxotou-os, aos rapazes que riam de mim. Colocou as duas mãos sobre a minha cabeça, disse, não chores, já vais sair daqui e rodando-a um pouco, soltou-me daquela espécie de guilhotina. Eu soluçava e ela pegou-me pela mão e levou-me para a cozinha. Numa chocolateira de esmalte ferveu cacau e eu sentado num banco, as pernas a balouçar de medo ainda, queria falar e não era capaz. E ela disse-me o seu nome, mas eu não fixei e bebi cacau quente e espesso e comi línguas-de-gato e foi a melhor refeição que comi na minha vida. Fiquei mais um pouco para animar, ajudei-a a fazer as camas de lavado, ela ensinou-me a lengalenga da criada lá de cima que é feita de papelão e quando vai fazer as camas diz assim para o patrão.
No dia seguinte regressei com umas flores do campo e como não me recordava do seu nome, chamei-a do fundo das escadas, Cacau, ó Cacau, abre-me a porta. E ficámos amigos, a Cacau e eu e as línguas-de-gato.

Muitos anos depois encontrei-a a trabalhar numa torrefação. Já não era a criada lá de cima, era a menina Rita, mas eu insisti, és tu Cacau? Era. Ela deu-me um cartucho de papel cheio de grãos de café para a minha mãe e sentámo-nos num caixote de madeira a trincar amendoins torrados. 

Hoje sou um homem, às vezes tímido, outras vezes não. No entanto o meu coração oscila entre o odor do cacau quente e do amendoim torrado.

6 Responses so far.

  1. ESte conto podia ser sobre mim. Só não é porque o senhor da minha loja não se chamava Artur; os trocados eram-me dados em rebuçados; a minha Cacau passou a trabalhar numa padaria. Assim: Hoje sou um homem atrevido, bastas vezes tímido E o meu coração oscila entre o odor do cacau quente e o do pão bem cozidinho.

    (teu conto cheira à minha infância)

  2. Unknown says:

    Chegamos aqui e sentimos um intenso cheiro a merda.
    Cadê a arrebentada?

  3. Unknown says:

    A arrebentada Luis Alves anda de novo em turismo sexual? De novo a sustentar as famílias de jovens favelados com grande pau e que não tem nojo de satisfazer as fantasias nojentas de um velho decrepito?

  4. Semiramis says:

    O Monstro do Canidelo procura aumentar a sua exposição nos motores de busca.

    É um projeto de vida como qualquer outro.

    É deixar andar :-)

  5. Descongelamento de escalões, a coordenadora de expressões do Canidelo teve a sua horita, e apanhou com mais uns euros, ou ficou na mesma, na sua triste vidinha, a sustentar o velho e o filho rabeta, vai dar tudo ao mesmo: na sua monomania,
    qualquer coisa lhe serve de estimulação,
    e lá vem ela ter com as suas obsessões antigas, do "Braganza Mothers", onde nunca voltará. Mal ela sabe o que a espera :-))))))

  6. ... de manhãzinha, para a coisa estar bem fresca, depois das insónias da stôra e os NEEs dos pescadores poderem afinar a garganta com a pianola,
    dó, ré, mi, fá, sol, fá, mi, ré, dó :-9

    Triste vida, aos 70 toca com as artroses dos pés :-)

 
 

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