Três coisas sustentavam o Estado
Novo: a ditadura, uma justiça inquisitória e o PCP.
O 25 de abril apenas conseguiu libertar-nos da primeira;
a segunda evoluiu (?) para o pântano que conhecemos, e a
terceira parece ter-se tornado vagamente arqueológica.
Vem esta introdução a
propósito da iniciativa do Partido Comunista,
reprovada por todas as correntes parlamentares, de tentar reverter o atual
acordo ortográfico.
Pela minha parte, também não gosto de acordos ortográficos, pela simples razão
de que quem constrói a língua e as formas da língua
são sempre os povos e os escritores, e não os guiões
das academias. Por outras palavras, os guiões
das academias só vêm depois de os ajustes e
novidades que os usos das gentes e dos poetas trouxeram ao fluxo da língua. Os acordos apenas podem aspirar a transformar em
norma o que o curso das coisas já impulsionou. Nisto tudo, como se poderá ver, não há qualquer espaço para o PCP, como os parlamentares
hoje, e bem, lhe puderam demonstrar.
Começava janeiro de 2009, e
eu escrevi, em Fortaleza, o primeiro poema enformado pelo acordo. Esse poema tem
o nome de “Inscrito no Tempo”,
e foi assim que entrou para história
da Língua, como o primeiro texto de escritor português, a
cumprir as novas normas da ortografia. Reproduzo-o, por, com o passar dos anos,
se ter tornado mais intenso, e por mais intenso ainda se dever vir a tornar: “Chegado dos
Alísios, O Guardião dos Fogos espalhava as estrelas do Nascente, e a sua mão de
olhares cruzados acendeu os Céus num momento inteiro, do supremo Zénite aos
infinitos lugares do Poente.
Era
o Turbilhão dos Astros e das flores efémeras, e o turbilhão das estrelas fixas,
desenhado para sempre, ato inscrito no Tempo”.
Excetuada
a poesia, toda a sua novidade assenta no “ato” com que finda E é só essa
pequena diferença que prestou homenagem ao janeiro de 2009, em que o Brasil
inteiro inaugurava a simplificação do acordo.
Ao
contrário desta festa, o PCP sonhava com poder regressar, em 2018, à ortografia
do seu Estado Novo. Parece que não conseguiu. Creio ser apenas mais um anquilosamento
de quem nunca compreendeu que, de todas as aspirações da liberdade, uma das
maiores é a de poder escrever com desobediência.
Todavia,
pode o PCP estar tranquilo, pois eu acabei de percorrer ambas as letras, as do “Avante”
e da “Internacional”, e não há nelas uma única palavra que os ditames
ortográficos do acordo venham alterar, o que, eventualmente, talvez seja uma pena,
já que, tal como no 25 de abril, parece que por aquelas bandas, mais uma vez, vai
tudo ficar na mesma...
É triste ver como um partido, que tanto lutou pela liberdade, se tenha tornado num albergue reacionário...
Para ler isto
juro que tirei o pó
retirei as ligaduras de múmia
sacudi as teias de aranha
E aqui estou
e coloco a pergunta
"O que o ortopédico tem a ver com o ortográfico,
eu que até sou Saramaguiano
e até não por acaso?"
https://youtu.be/SauiwlEEr1k
Mas essa regressar ao Estado Novo, ó Alves, com franqueza...
carrego uma consoante muda no meu nome
até ao 4ºano odiei aquele P que não servia para nada, hoje assino assim:
BaPtista
como forma de protesto :)