domingo, 11 de novembro de 2012

aos domingos




Era um coelho triste. Gostava de cenouras e de poemas satíricos. Morava no último andar de um prédio antigo de frente para o rio e do outro lado a banda de lá onde já não existem os estaleiros e a linguagem perdida dos guindastes é apenas a memória de um livro que se leu.

Ninguém entendia como é que sendo ele triste, não preferia os poemas de amor, profundos, impossíveis. Um coelho apaixonado pela filha de um rei daria um poema épico e ele poderia chorar desesperado e chorariam com ele as senhoras sós que saíam à rua sós, os lábios desenhados sós, as rugas a espreitar enganos sós. Ou os jovens fumadores cigarro após cigarro, os dedos amarelados, a tosse no sótão, o veneno engolido em desespero de causa, o passado sempre o passado. Não. O coelho era mordaz, sentia o riso difícil, labiríntico e em tempos de complexidade, melhor será sermos complexos do que simplistas, ter graça requer mais talento do que fazer chorar.

Na varanda plantava coentros, cenouras e couve-galega. Pelo meio cresciam papoilas. Não podia tocar em alface, fazia-lhe mal e no inverno agasalhava-se em si próprio e ia para o jardim das amoreiras roer a casca das árvores. Sempre aos saltos e isso aborrecia-o, o coelho desejava saber andar.
No primeiro direito morava um rapaz que tinha um aquário com um peixe-palhaço e eram amigos os dois, o rapaz e ele. À tardinha o rapaz batia-lhe à porta com o aquário debaixo do braço, o gato branco e preto sempre atrás deles, alucinado com o peixe, o peixe a fazer glu. Depois sentavam-se na beirinha do telhado, o rapaz com as pernas para fora, o aquário em equilíbrio e o gato agora distraído com o voo das andorinhas a fazerem raseiras na cabeça dos anjos. Tirava duas cenouras do bolso das calças, dava uma ao coelho e dizia, lê-me os poemas. E o coelho lia. O rapaz sorria e a seguir ria e dobrava o riso, mordaz e perdido. Às vezes ficavam com soluços os dois e as pessoas vinham à janela ao entardecer e o riso contagiava as varandas e os olhos dos velhos.

Aos domingos o coelho prendia uma papoila ao peito e dizia, vamos viajar.

                                Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas


3 Responses so far.

  1. Lindo :-)
    Foi feito um pequeno ajuste de hora, para ficar à frente da sordidez da Clarinha.

    Felizmente há poetisas :-)

  2. .

    .

    . tão . tão . uuuiiinnndddoooo .

    .

    . gosto . deste "coelho" . deste "coelho" . gosto . :) .

    .

    .

  3. Um pouco de luz, neste permanente desfilar de trevas e negativismo, em que fomos forçados a enfiar-nos. Aguardam-se mais imagens ingénuas e contos emocionados :-)

 
 

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