Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas
Dedicada ao Filipe Moraes Alçada, pela excelente semana de companhia, fora deste buraco, no triângulo das cidades civilizadas, Londres, Paris e Bruxelas (se havia greve, não demos por ela...)
É sabido que em Portugal não há Ciência, mas milagres da Fé e causas naturais, pelo que a greve da TAP não pode ter causas científicas, mas ser um fenómeno natural ou uma exceção ditada pela Fé. Como sou generoso, escreverei um texto que agradará a ambas a correntes, e vamos já às causas naturais, que são antigas, e remontam aos tempos em que o Sereníssimo D. João V, nos primórdios do joaninha, avoa, avoa que o teu American Express foi para Lisboa, mandou queimar a "Passarola", do Padre Bartolomeu de Gusmão, pelos acidentes eucarísticos que diziam que um padre não devia voar, muito menos nas vizinhanças reais, e ainda menos nas alturas e paranças em que sua Majestade Catolicíssima estava a mocar com freiras e madres nas moitas: a coisa, vista de cima, ainda era mais indecente do que aquela mulher da vida que o José Rodrigues Miguéis, muito divertidamente, e em boa escrita, cosa rara, diz que os beatos pastorinhos confundiram com a Santa com Cara de Saloia, que depois deu origem aos rastejantes de 13 de maio. Sendo mais cultural, por que a Cultura não ocupa lugar, quando o Papa Freiras mandou queimar a "Passarola", já Ahmed Çelebi tinha 100 anos antes voado, para espantar o alcoólico Murad IV, do alto da Torre de Gálata até Scutari, onde o sibarítico Gulbenkian viria a nascer. Como Murad preferia o álcool às freiras, não queimou a passarola do outro, mas resolveu recompensá-lo, o que prova que a Civilização é sempre civilizada, e tudo o resto são quintais.
Salazar foi mais modesto, e aproveitando a boleia de Humberto Delgado, resolveu criar uma legião de passarolas que ligassem o atraso de vida peninsular aos seus atrasos de vida coloniais. Vi, no outro dia, num zapping, que a TAP se chamava "Linha Aérea Imperial", o que nem lhe ficava mal, não fosse o Império a miséria em que o miserabilismo de séculos a tornara, mas isso era irrelevante, já que Salazar, um homem de tradições, resolveu levar mais além o sonho de D. João V, e, já que não comia freiras, resolveu colocar as freiras a voar, e eu aqui explico este salto, que pode parecer impróprio de um sobredotado, como eu, para se encaixar na realidade. Na verdade, e eu não sou dessas eras, havia profissões em que as mulheres, antes da Abrilada, não se podiam casar, entre as quais, tanto quanto me lembro, estavam as enfermeiras e as hospedeiras. Sem enfermeiras até passamos bem, já que o Passos Coelho as convidou todas a emigrar; já quanto às hospedeiras, o Vacão de Santa Comba, pôs-lhes asas e um selo na rata, quer dizer, não era bem um selo, já que havia um intervalo epistemológico entre o não casar e o não levar na cona. Daí deriva, creio, que nas alíneas dos contratos das Linhas Aéreas Imperiais vinha expressamente dito, "não casarás", mas nunca uma interditação ao implícito convite do "mas... foderás".
Para os incautos, que até hoje procuravam causas naturais para o elevado nível de fornicação associado às companhias aéreas, se terá de dizer que foi obra de Salazar, e alimentou os sonhos de gerações: quantas e quantas vezes o voo chegava do Lobito, ainda a cheirar a catinga, e já multidões de jovens mancebos, daqueles que depois iam deixar os braços e as pernas na Guerra do Ultramar, se acotovelavam nas pistas da Portela, para darem brutas canzanadas nas hospedeiras que vinham das Angolas, a precisarem de consolo no hangar. Nem Carlota Joaquina, nos cais do Rio de Janeiro, quando chegavam as naves de marujos da Europa...
Como não sou sexista, e também sei daquela terrível dificuldade que sempre houve em contratar comissários de bordo, já que, uma vez feito o teste da cadeira furada, medido o grau gutural da voz e tateada a maçã de adão, uma vez apanhados no ar, e com o contrato na mão, abriam o uniforme, mostravam as mamas, e davam ao cu -- e o cu -- aos gritos de surprise e we will surive!.., coisa que tanto levou depois a Troika a falar na necessidade de flexibilizar as leis laborais, já que a TAP, coitada, abria 10 lugares de Comissário de Bordo, e, pelo menos 8 eram verdadeiras hospedeiras, com contrato para o resto da vida... Para as feministas, aqui fica este pequeno carinho: devem defender a TAP com todos os vossos esforços, pois deve ser uma das empresas mais femininas de Portugal, tirando os cabeleireiros e os Alunos de Apolo.
Deve-se aos Capitães de Abril a ordem para casar das hospedeiras. Acontece, e aqui creio que tivemos um milagre da Fé, não foi com a libertação do casamento que se conseguiu privatizar a arte de bem levar na cona, e antes diria que a coisa enveredou por um neoliberalismo desenfreado, com atos de cópula a 32 000 pés, nos wcs, e nos porões de repouso -- esses lugares mágicos onde tudo acontece, e que tão pouca gente frequenta, mas eu tenho nas memórias mais carinhosas do meu coração, sobretudo, quando se deixa pelas costas o farol de Fernando de Noronha, e, pela frente estão as quatro horas de escuridão, até ao espaço aéreo de Dakar, ai, sódades, sódades... :-) -- mas vou voltar ao texto, senão perco-me...
Tudo isto seria fantástico se não desse prejuízo, e a TAP começou a dar prejuízo. Durante anos, creio que isto constituiu o chamado Terceiro Segredo da Portela, já que, com linhas em regime de quase monopólio, com a tutela dos chulos de Bruxelas, e as viagens pagas da Inês de Medeiros para Paris, onde ia esfregar o grelo lesbo, travessias de longo curso por preços insuportáveis, vije maria, como poderia isto dar prejuízo, não se tivesse a TAP BPNizado, ou seja, tudo o que havia de mau se pendurou ali. A reportagem sobre Lino da Silva -- custou, porra!... -- e a sua demissão, mostram que há sempre um je ne sais pas quoi que consegue ser pior do que tudo o que é evidente, um pouco como aquelas mortes súbitas, que vegetam pela sombra. Tal como no BPN, tal como no BES, tal como nas PPP há sempre um número muito limitado se sombras capaz de destruir uma grande empresa e lucrar com a desgraça dos outros, a questão é agarrar numa vara, desentocá-los e apontar-lhes um holofote bem forte, em cima. O caso de Shakaf Wine, outro filho da puta, do calibre do monhé Zeinal Bava, é só mais um. Eles estão por todo o lado e minaram não só o país como o planeta inteiro.
Sem que se perceba bem como, a TAP, ao BPNizar-se, enquanto BES Air, fez um pouco o percurso da PT-Telecom: permitiu a um punhado de pulhas tornar-se milionário, naquela estranha posição do Colosso de Rodes, com um pé na favela portuguesa e outro pé na favela brasileira, enquanto os colegas, a empresa e o próprio país eram atraídos para o vórtice. Estas coisas, evidentemente, têm rosto, e alguns azares que foram infortúnios da Fé. Fernando Santos -- que devia estar preso, sobreviveu a nove ministros dos transportes e a cinco primeiros ministros -- foi lá posto para fundir a TAP com a Varig, com o azar da Varig ter falido, e as despesas, os salários e os prejuízos ficarem do lado português, e os canalhas, como Carlos Costa Pina -- que devia estar preso -- a voarem para outras gestões ruinosas. Tudo isto, como reconhecerão, faz parte dos milagres da Fé e das causas naturais portuguesas, todavia, como faz falta uma parte de realismo nestas coisas, devemos relembrar que tudo aquilo que, tal como no BPN e no BES se não podia fazer diretamente, passou para as mãos de filiais discretas, a Air Luxor, que traficava diretamente a coca, e desapareceu, deixando o lugar das velhinhas de Arraiolos para as rastejantes de Boliqueime: nasceu a Hi Fly, a coca é a mesma, e as velhinhas de 70 anos foram substituídas por gajas com brutas mamas, que agora trazem a branca implantada nas tetas, e até o Efromovich, que queria que a coisa fosse feita a descoberto, e voltará, e justamente, ou conseguirá mandar um ainda pior, para o fazer por ele.
Este texto poderia tornar-se infinito, por que tudo isto se assemelha às metástases, mas às metástases de um cancro político, posto que, não estando a empresa privatizada, todos os governos que participaram neste carnaval deviam estar detidos e condenados por crime económico ou uma coisa mais direcionada, antigamente conhecida por crime de lesa pátria. Tal como o BPN e o BES, a TAP é agora um excelente pretexto para limpar a Classe Política, pelo que, como já poderão imaginar, nada acontecerá.
Num patamar acima, e respondendo às dúvidas do Filipe sobre como é possível manter máquinas locais, ou gigantescas, a despenderem esforços e recursos, para rotas e finalidades que todos já identificaram como de desastre, as empresas cujo fim não é o lucro, mas o prejuízo, como Lino da Silva sonhava, vem a resposta lúgubre, da velha teoria da conspiração: tal como Bilderberg preconiza, é fundamental que enormes falésias de civilização se desmoronem, para que a sociedade dos escravos, com que o grupo há tanto sonha, se instale, e a Nova Idade Média, onde os grupos, cada vez mais isolados, se sintam estrangulados, enveredem pela necessidade de canibalismo e tracem o admirável mundo devastado. Como nas Eleições Inglesas, vencerá o pior. Esses serão os amanhãs que vão cantar, onde tudo o resto são meras telenovelas, a que, creio, nós que vemos, assistimos incrédulos. Os outros já há muito perderam os olhos.
(Quarteto do colapso aéreo, no "Arrebenta Sol", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")
Lêmbia-te toda: tenho tara por hospedeiras :-)