domingo, 20 de dezembro de 2015

a estrela e o barco

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas

Com a chegada do equinócio o mar agitou-se e a maré alta lançou na areia toda a espécie de detritos, humanos ou não. Era uma vingança, um retorno, do que não fazendo parte dos oceanos regressava ao lugar de origem.
Zeferino não temia as ondas nem as tempestades, no entanto esperou que o tempo amainasse, que o quarto crescente arredondasse, que a vila adormecesse, que os cães se calassem, que as aves marinhas escondessem a pata direita entre as asas e partiu. Às vezes o coração pesava-lhe. Sentia-se distante das pessoas, indiferente às rodadas e aos votos, ao ruído das ruas. Mais valia o mar do seu avô, que o ensinara. As sacadas, as armações, as redes de emalhar, a arte cercadora ou traineira e agora já ninguém pesca assim. Nem ele. Perdera o seu barco antigo, quebrado entre as rochas e construíra um barco maior, mais seguro, mais veloz e depois desenhara outro e ainda um terceiro e passou aos peixes e aos seres reais e imaginários que povoam o mar e colava-os nas paredes das casas e nos muros das hortas e já não era Zeferino, o neto do pescador, mas Zeferino o sonhador.
Não tinha rota definida, desejava um mar chão e os cardumes de peixes prata a saltar e a mergulhar. Navegou algumas milhas em direção ao norte e logo ali, a baleia. Corpo longo e esguio, acinzentado e ele quase jurava que era a mesma em todas as viagens, aquela baleia comum que o reconhecia e que se fazia reconhecer. O coração de Zeferino perdeu dois gramas e a baleia cinzenta espadanou água por todos os lados. A baleia nadava e o barco seguia-a e quando avistaram ao longe os grandes blocos de gelo, desviaram a rota, pois não estava na sua natureza esse lugar gelado. Cruzaram-se com um veleiro que logo apitou, ali vai Zeferino e a sua baleia, nós regressamos a terra e ele não, nós buscamos a casa e o lume e ele é o vaga-lume do mar, adeus Zeferino. Depois o silêncio, a escuridão e nem o vento soprava. Não era possível identificar o mar e o firmamento e o breu profundo cobriu o homem, o barco, o leme e a baleia.
Zeferino aguardou, esperou, porque não tinha pressa ou urgência de chegar e ela surgiu, uma luz no céu, um cometa, um asteróide, uma estrela brilhante. Muitas outras a seguiram e pousaram no mastro mais alto e os peixes prata pratearam o mar de prata e o coração de Zeferino perdeu mais dois gramas e os seus ouvidos foram capazes de ouvir o canto inaudível das baleias. E Zeferino seguiu a rota das estrelas.
Em terra, foi visível a estrela e o barco e todos souberam que era Natal.


 
 

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